18 de abril de 2024 | 21:29
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Motorista de funerária

Nunca bati um papo com motorista de funerária, muito embora, ao longo de minha carreira de policial rodoviário, tenha precisado muito de seus serviços. Nossa conversa era sempre rápida, pois algumas vezes estava há horas no local do acidente em companhia dos que tiveram que partir. O que eu mais desejava naquele momento era a remoção dos corpos para que seus familiares pudessem se despedir.

Sábado retrasado, assistindo ao programa Caldeirão do Huck, dentro do quadro “Lata Velha”, o homenageado era morador da linda Fortaleza, sósia do grande artista e compositor de primeira Erasmo Carlos, de quem sou megafã. A semelhança entre eles é grande, e o cara até tira onda cantando músicas do “Tremendão”.

A mulher dele disse que quando saem para passeios o cara é abordado muitas vezes para fotos e até autógrafos – ela fica enciumada e ele só curtindo. Durante a gravação do programa, a produção do Caldeirão o levou a um show da “Ternurinha” Wanderléa e para provocar curiosidade nos fãs dela, o acomodou na primeira fila, deixando uma câmera direcionada sobre ele que registrava tudo.

Foi uma loucura! A notícia espalhou pela plateia que Erasmo Carlos estava lá na frente, e mais uma vez o sósia curtiu raros momentos de celebridade, muitas fotos e sorrisos – ele aguentou firme e as fãs foram pra casa na maior felicidade.

Erasmo, com mais de 70, aparenta ser mais novo que seu sósia cearense, de 63 anos. O cara estava detonado, caminhava devagar quase parando e pra piorar disse que estava saindo desta febre “chikungunya”. No desenrolar do programa, Luciano Huck entrou em seu Chevette, o motivo do quadro. O possante estava derrubado, muito corroído pela maresia. Luciano, bom de lero, perguntou ao homenageado o que ele fazia?

O cara disse ser motorista de uma funerária em Fortaleza, e o apresentador, diante de uma situação inédita, quis tirar dele tudo que fazia na funerária. O sósia de Erasmo disse: “Transporto os defuntos, faço a barba…” Aí Luciano admirou, e ele continuou: “Dou banho, faço a maquiagem, visto a roupa a gosto da família, arrumo bonitinho com todo carinho no caixão, enfeito com flores, deixo o cara bem lindão, afinal ele está se despedindo, faço com ele como gostaria que fizessem comigo.” E completou: “Faço isso há mais de 30 anos”.

Luciano Huck, querendo tirar mais alguma coisa dele sobre o assunto, perguntou se já tinha visto e conversado com mortos. Para a surpresa do apresentador o sósia do “Tremendão” disse que “sim, muitas vezes”, e citou o caso de uma mulher que ele teve de levar a mais ou menos 200 quilômetros de Fortaleza. Chegando ao velório, descarregou o caixão e entrou no carro para voltar, quando o espirito da mulher (toda de branco) que ele havia acabado de entregar lhe pediu carona até Fortaleza.

Acostumado a conviver com espíritos, não se assustou e a levou “na maior”. Fico imaginando sua viagem de volta com fúnebre companhia… Chegando em Fortaleza ela pediu para que parasse numa esquina, desceu e como num passo de mágica, sumiu. O Erasmo genérico diz que tem inúmeros casos parecidos.

Num bar próximo a uma funerária famosa daqui, motoristas depois do trabalho tinham o hábito de molhar a palavra e extravasar o árduo trabalho. Meu amigo radialista Antonio Carlos Calixto, que também picava cartão ali, certa vez presenciou o papo de dois deles sobre o que já acontecera quando transportavam corpos de uma cidade pra outra e os sustos que levaram.

Disse um deles que levava um corpo para Franca, era noite e o silêncio total, quando, depois de Batatais, de dentro do caixão ouviu um uivo tipo “uuuuuuuhhh!” Imagine o susto do cara! Embora isso já tivesse acontecido muitas vezes, não negou o “medaço” que ficou. O outro falou que era acúmulo de gazes dentro do corpo e, com o movimento, tinha que sair por algum buraco do corpo, e esse saiu pela boca.

Gostaria muito de um dia, lá em Fortaleza, sentar em uma mesa de bar, de preferência à beira-mar, com o sósia de Erasmo Carlos, quantas histórias poderia colher.
Sexta conto mais…

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