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20 de abril de 2024 | 0:20
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O esperma de Hitler

O esperma de Hitler, que se fez e que se faz vírus nas criaturas, ronda a construção democrática para destruí-la, sempre invocando a corrupção, quando não o comunismo, para liquidá-los. É preciso uma ideia-força. Lá, o judeu era a encarnação do perigo mundial.

Essa ideia-força é trabalhada com obsessão, que massificada abastece o discurso do ódio, sendo que sua raiz está no vagar da construção civilizatória, na ciclotimia do capitalismo, e vai gerando sua obra. A oposição é feita em nome da dignidade da pessoa humana, valor ético-jurídico que está acima dos limites territoriais de um Estado. Desvios e malfeitos durante essa construção de­vem ser punidos, sim, por Instituições e servidores, mas que não se utilizem da impunidade esta­tal, para se dedicarem à humilhação de quem acusam.

O Brasil e a América Latina viram esse ataque do vírus hitlerista, com o Chile, Paraguai, Uru­guai, Argentina, formando até a operação Condor, para o desaparecimento dos dissidentes polí­ticos. A maré da história teve tempo de pegar o general Pinochet, que morreu condenado pelos crimes de tortura e desaparecimentos de pessoas, mas em prisão domiciliar.

Essa história do esperma era revelada pela imaginação do procurador do Estado, já falecido, Rubem Aloisio Moreira, poeta, sensível como os melhores. Uma espécie de vagalume, que gostava da noite e que, ora por vez, iluminava a madrugada com a declamação de seus contos ou das suas ironias.

Numa delas, ele dizia que Adolfo Hitler subira no mais alto da montanha, praticara um ato censurável de atentado violento aos milhares de espermas, para que sua herança fosse perpetuada.
Assim, seus filhotes nasceriam nos confins da terra, encarnando-se com roupa de caboclo, de pobre, de autoridade togada ou concursado, de rico, de jovem, de velho, negro, branco, pardo, asiático, civil ou militar, general ou não general.

Hoje, mulher jovem fala nas redes sociais pedindo que os militares voltem, que o povo os cha­me. Triste é ignorar os livros da história, os documentários, os depoimentos. Triste é não saber que a democracia é uma criação sem fim, exigente de trabalho continuado. Triste é apresentar, como original, o que é velho, tal como essa onda moralista, que teve antes a vassoura do messias Jânio, que teve o messias Collor antes, que teve campanha pela “Ética na Politica” antes, que teve a morte de Getúlio, que teve o golpe contra Jango (que pesquisa contemporânea ao golpe, só revelada re­centemente, mostrava a aprovação popular do seu governo).

A Constituição de 88 foi erguida sob a consciência de que a institucionalidade da ditadura, com suas variantes de cores, desde 1964, deveria ser revogada. Os Magistrados de hoje merecem, sim, respeito, desde que se contenha a vaidade e a impulsão do ativismo judicial, que acaba conflitando com os Poderes da República. Desde que a prova seja prova provada, sem o disfarce de sua obten­ção por prisões temporárias sem fim.

A normalidade democrática não deve transigir com o malfeito do malfeitor, mas quem o com­bate não pode se igualar a ele, em nome da lei. A maternidade ideológica do horror, traz a pergun­ta, que serve de alerta aos togados e não togados. “Que teríamos feito sem os juristas alemães?”, pergunta Adolfo Hitler, na frase que encima o artigo sob o título “VAMOS COMEMORAR UM TRIBUNAL QUE JULGA DE ACORDO COM A OPINIÃO PÚBLICA”, de Rubens Casara, juiz de Direito e professor universitário, no importante livro “Brasil em Fúria”, escrito com outros não menos brilhantes que ele.

Também o esperma de Hitler, que se fez e que se faz vírus na criatura, estimula o espetáculo, a exibição, o palco, o desrespeito estonteante à dignidade da pessoa, em nome do moralismo, cuja onda “…já respondeu por nomes como macarthismo, inquisição ou fascismo…”. “Quem é contra pode ganhar no peito uma estrela de David, como as que distinguiam judeus sob o nazismo” (“Vi­garistas do bem”, Marcio Chaer, Folha de São Paulo, 02/10/2017).

No Brasil, esse moralismo espetaculoso paralisou a economia, um sucesso do esperma de Hi­tler, que se fez e que se faz vírus na criatura, e que pode se ancorar na lição do mestre do horror, porque, desde 1923, “lançou mão de uma tática que consistia em usar alternativamente a propa­ganda e a ameaça”. Talvez seja por isso que “ninguém quer tirar fotografia com o Brasil”, como disse recentemente o diplomata Ricupero.

Para os contaminados por esse vírus, decorrente da distribuição gratuita do esperma de Adolfo Hitler, tem uma lição horrenda, lapidarmente ministrada por ele. Ele disse, no auge da Segun­da Guerra, à luz da sua máquina de destruição fugazmente vitoriosa: “Estou com a consciência tranquila”, e na sua pedagogia patológica expôs o grau de sua maldade: “Um ser bebe o sangue de outro. Enquanto um morre, o outro se alimenta”, “É preciso não ficar por aí dizendo tolice, falando de humanidade” (in Hitler de Joachim Fast”).

Hitler, atualmente, não se decepcionaria com a sua linhagem. Felizmente, ele se suicidou, se­guindo seu próprio conselho de papa do ódio.

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