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16 de abril de 2024 | 16:41
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Personalidade e Literatura: a questão do processo de criação (II)

O verbete criação é reconhecido, entre outros sentidos, como o processo, ou efeito, de conceber, inventar e gerar, por intermédio da ação humana, divina ou de similar força superior, o que não existe, bem como, de dar nova forma, novo uso e aperfeiçoamento ao que já tem existência. Produto intelectual, por excelência, uma vez que reclama exercício do raciocínio e das habilidades para executar complexidades, a criação valhe-se, segundo Sartre, de consciências imaginantes que, unidas em sequência lógica, “produzirá para o objeto enquanto imagem uma espécie de vida”, aparecendo num aspecto ou em outro de acordo com o que o homem percebe através dos sentidos:

Na concepção sartriana, portanto, as descrições de tipos, ambientes, sensações e emoções verificáveis em textos literários nos colocam diante de um sistema simbólico cuja compreensão é um movimento que nunca se conclui, mas no qual as simbologias se buscam continuamente para o progresso do conhecimento. Entretanto, esse imaginário concebido pelo senso comum difere do imaginário coletivo, no qual é a subjetividade da pessoa que se apresenta ao inconsciente, e do imaginário pessoal, em que as imagens de um povo e de uma cultura é que são apresentadas ao leitor.

Por sua vez, o acervo de subjetividades e imagens culturais de um povo é concebido, por outros estudiosos, como uma resposta à angústia humana diante da finitude da vida, ou seja, o homem necessita delinear um trajeto antropológico que lhe reafirme, constantemente, sua capacidade de criar realidades e percebê-las. Neste contexto, o verbete imaginação, já no aristotélico De Anima, resume-se ao processo mental através do qual concebemos uma imagem, uma vez que, para Aristóteles, a mente humana não é capaz de pensar sem imagens, com ela representando o que não existe no nosso mundo imediato.

Os estudos literários do século XVIII realçaram o poder criador da imaginação como atividade essencial da criação artística, clara oposição ao que significava imaginar na Antiguidade, a saber, um exercício irmanado a sentimentos de melancolia, nostalgia, saudade, medo e tédio. Esta dependência de necessitar sentir para poder imaginar representará para Platão não uma forma de alcançar o conhecimento, mas, sim, de obter uma espécie de cópia em segunda mão da realidade. Argumento, este, retomado por Descartes, no Discurso do Método, por ocasião de o filósofo afirmar que “nem a imaginação nem os sentidos poderiam nunca certificar-nos de qualquer coisa sem a intervenção do entendimento”.

Com o romantismo europeu, que creditou à imaginação o status de alternativa subjetiva para se alcançar formas de conhecimento menos pragmáticas, e os questionamentos kantianos, que admitiram a imaginação como síntese das percepções humanas, às quais são propostas imagens que a representem, uma nova teoria da imaginação se estabelece, propondo-a como caminho privilegiado para o conhecimento subjetivo, em detrimento do pragmático. Neste contexto, Coleridge, um dos criadores do romantismo na Inglaterra, admitindo que só através da imaginação é possível experimentar toda a vitalidade dos sentidos, eleva a mesma ao poder criador de Deus; opinião compartilhada pelo filósofo alemão Schlegel, que entende a imaginação como capacidade de associação de imagens ao nível da consciência, contrária à fantasia, que operaria com imagens surgidas na fronteira com o inconsciente. O século XX, entretanto, revelará maior interesse pelo produto originário da imaginação criadora, altamente aproximado a experiências pessoais, do que por sua teorização.

Para o psicólogo alemão Rudolf Arnheim, cabe à imaginação criadora capacitar o homem a traduzir a aparência física de objetos em formas apropriadas a determinados contextos, e isso vem da razão psicológica de que, na percepção e pensamento humanos, a semelhança baseia-se não numa identidade meticulosa, mas na correspondência das características estruturais essenciais. O novo, segundo o autor, só é válido, entretanto, até onde serve para interpretar um universal tópico da experiência humana.

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