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29 de março de 2024 | 7:04
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Quando RP perdeu seu marco histórico

Nicola Tornatore

Há 50 anos, em setembro de 1967, Ribeirão Preto perdeu um importante marco histórico – a Estação Ferroviária da Mogia­na, localizada onde hoje existe a interligação das ruas General Osório, no Centro, e Martinico Prado, na Vila Tibério. Por aque­le prédio, então chamado de “gare” (substantivo feminino que significa estação de estrada de ferro), passaram dezenas de mi­lhares de imigrantes que deixa­ram a Europa para tentar a sorte no “Eldorado Paulista”, como a nascente cidade era chamada no período de apogeu do café.

Inaugurada em setembro de 1885, ainda na época do Império (a República foi proclamada em 1889), a estação foi, durante dé­cadas, uma das mais importan­tes da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro. A localização era estra­tégica – a entrada da “gare” fica­va exatamente onde começava a rua General Osório, então a rua mais importante da cidade.

A “gare” funcionou para em­barque e desembarque de pas­sageiros (e cargas) até maio de 1965. Em 1º de junho daquele ano, os trens de passageiros pas­saram a seguir para a nova es­tação, construída pela Mogiana nos limites entre a área urbana e a rural – na hoje avenida Mogia­na, na Zona Norte.

Com a desativação, o pré­dio da velha estação passou a abrigar o Grupo Escolar da Vila Tibério (atual EE Hermínia Gu­gliano), mas, ao mesmo tempo que tramitava um processo de tombamento da “gare”, pelo seu inquestionável valor histórico, começou uma intensa campa­nha pedindo a demolição do marco histórico.

Idealizada por políticos e comerciantes da região da Bai­xada, onde fica o Mercado Mu­nicipal, a campanha foi “abraça­da” pelo proprietário do Diário da Manhã, Antônio Machado Sant’Anna. Ao longo de meses, o jornal publicou dezenas de maté­rias referindo-se a estação como “monstrengo”, “pardieiro” e “an­tro de imundície e mau cheiro”. O pátio onde ficava a rotunda (oficina das locomotivas, atual Parque Ecológico “Maurílio Biagi”) era chamado de “tri­ângulo da malária”. Àquela altura, a Mogiana não existia mais – prestes a falir, foi en­campada pelo governo estadu­al (por meio da Ferrovia Pau­lista S/A, a Fepasa) em 1952.

Apesar de a campanha uti­lizar a questão do saneamento para justificar a demolição da estação, na verdade o interesse era basicamente comercial – os moradores da populosa Vila Ti­bério tinham grande dificulda­de para chegar ao Centro, pois existia apenas uma passagem de nível que permitia atravessar os trilhos da Mogiana. Ficava no início da rua Duque de Caxias, no ponto em que o nome da via muda para rua Luiz da Cunha.

Era comum os automóveis terem de aguardar a abertura da “porteira” da Mogiana, que era fechada quando da passagem (fre­quente) dos trens. Ou seja, o que os comerciantes que fomentaram a campanha pretendiam era facili­tar o acesso dos moradores da Vila Tibério a seus estabelecimentos.

Numa época em que a pre­servação de nosso patrimônio histórico não era uma preocu­pação da comunidade como é hoje, a campanha foi vitoriosa. Em 12 de agosto de 1967, um sá­bado, o então governador Abreu Sodré veio a Ribeirão Preto assi­nar um acordo com a Prefeitura. O então prefeito Welson Gaspa­rini (hoje deputado estadual do PSDB) agradeceu ao governa­dor, após Abreu Sodré ser foto­grafado com uma picareta, sim­bolizando o início da demolição.

O acordo previa a realização, pela Prefeitura, de um plano urbanístico que mudou profun­damente aquele trecho da região central e, pela Fepasa, a construção de uma estação rodoviária (a atu­al, inaugurada apenas em 1976). Assinado o acordo entre o prefeito Gasparini e o governado Abreu Sodré, em setembro, há meio sé­culo, começou a demolição, exata­mente pelo prédio da estação, do qual restou apenas a plataforma. Em seguida, foram derrubados antigos armazéns que serviam para depósito de carga.

Em janeiro de 1968 aconte­ceu a transferência das instala­ções que ainda funcionavam na rotunda – a oficina das locomo­tivas a vapor foi para as estações de Uberaba e Franca: a oficina de vagões foi para Campinas e a das locomotivas diesel-elétrica para a nova estação de Ribeirão Preto, na avenida Mogiana. No mesmo mês de janeiro foi erra­dicada a plataforma, permitindo o objetivo maior da campanha – a união entre as ruas General Osório e Martinico Prado. Mar­co do passado áureo de Ribeirão Preto, então “Capital Mundial do Café”, a primeira e mais fa­mosa estação ferroviária da ci­dade desapareceu por motivos comerciais e logísticos. Ainda bem que as coisas mudaram…

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