19 de abril de 2024 | 0:22
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Zé da Conceição e o delegado

Hoje acordei meio saudosista e me veio em pensamento a imagem do saudoso Zé da Conceição, músico da mais alta qualidade. Dia desses, o Facebook revisitou lembranças minhas e publicou em minha página várias fotos do talentosíssimo Grupo Kizomba. Eu e meus amigos do Facebook nos divertimos muito vendo fotos dos músicos do grupo. Coisa de 30 anos atrás, todos magrinhos, inclusive o Zé da Conceição.

Muitas histórias foram renascendo e à medida que isso acontecia fazia anotações para escrever esta crônica. Por exemplo: um cara do governo da Nicarágua, assistindo a um show deles aqui em Ribeirão Preto, saboreando uma suculenta feijoada, teve a ideia de contratá-los para fazer, em Manágua, capital de seu país, uma “feijoada com samba” bem do tipo da que acontecia naquele dia. Segundo meu amigo Pereira, músico do Grupo Kizomba, o caboclo disse que não importava o cachê, o governo bancaria desde que a feijoada fosse como aquela.

Depois de intensa negociação, passaram a régua e o Grupo Kizomba faria sua primeira viagem internacional. Dias depois o sujeito passou um fax e mandou um monte de dólares para Pereira cobrir maiores despesas além das com passagens e hotel. Mas deveriam levar daqui todos os ingredientes para a tão esperada feijoada, incluindo a cozinheira do evento que ele participou. Queria tudo exatamente igual, teria que ter o sabor que o encantou, pois havia deixado os demais membros do governo com água na boca. Tudo teria de sair como ele descreveu: “feijoada brasileira com samba”.

Data acertada, Pereira e a cozinheira foram às compras e encheram duas enormes malas com paio, carne seca de primeira e demais ingredientes, tudo junto com o equipamento do grupo. Voaram rumo à Nicarágua, e pra chegar em Manágua o voo teve que passar por Miami (EUA). Nada de anormal aconteceu. Só que quando desceram em Manágua, aí o bicho pegou.

As duas malas não podiam entrar no país por causa de normas sanitárias, havia um certo temor com doenças, e nem com a ajuda dos embaixadores do Brasil e da Nicarágua os fiscais sanitários de lá liberaram a “feijuca”. Nossos músicos viram todo o trabalho ser destruído em pleno aeroporto. O jeito foi improvisar com o que tinham no país, a cozinheira mostrou todo seu talento e a “feijoada com samba” aconteceu.

Vamos ao saudoso amigo Zé da Conceição. Seu currículo era invejável, tocou com grandes artistas como Elis Regina, Jamelão, Cauby Peixoto e Renato Guimarães, aquele cantor de uma música só, como muitos. Gravou o bolero “Poema”. Como a música estourou em todo Brasil, montou seu conjunto e saiu país afora fazendo shows. Zé da Conceição era seu violonista.

Após um show em Curitiba (PR), me contou Zé, todos foram comemorar o sucesso em uma boate. A noite invadiu a madrugada e de repente o pau quebrou. Só se via cadeiras e mesinhas voando pra tudo que é lado. O dono da casa, prevendo enorme prejuízo, chamou a polícia. Naquele tempo delegado mandava pra dedéu e o cara já foi falando: Feche as portas, não deixe sair ninguém que já tô indo. E foi… Chegou chegando, prendeu todo mundo, e na muvuca estavam Zé da Conceição, os músicos e o cantor Renato Guimarães.

Já na delegacia, “seu dotô” foi ouvindo um por um e dependendo do papo mandava pro xadrez. Quando chegou a vez do cantor Renato Guimarães, o delegado logo o liberou até pediu pra ele dar uma palinha. Renato mandou ver “Poeeemmmaaaa”.

Chegou a vez do Zé da Conceição, com seu 1,93 metro de altura, e o homem lhe perguntou: “O que é que você faz?” Zé, meio tímido, disse: “Eu toco violão”. O delegado mau humorado logo mandou essa: “Onde já se viu um negão deste tamanho tocar violão.” Zé não perdeu o tom e emendou: “Sou músico do Renato Guimarães”.

Depois dessa seu dotô colocou o pé no freio quase pedindo desculpas ao nosso músico e acabou liberando-o. Já no hotel, todos riram muito. Zé até mostrou-me um samba que compôs sobre a situação, onde o delegado era o personagem principal.
Sexta conto mais.

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