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28 de março de 2024 | 21:00
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A Argentina e sua literatura (6): Eugenio Cambaceres e Leopoldo Lugones

Eugenio Cambaceres (1843 – 1888), escritor e político argenti­no, nasceu e morreu em Buenos Aires. Filho de pai francês e mãe argentina, formou-se em Direito e ingressou, imediatamente, na política. Eleito deputado em seu país, foi um político liberal cuja contribuição mais relevante tem sido apontada como seu apoio à sepa­ração entre Igreja e Estado, causa bas­tante polêmica na época. Afastando-se da vida pública, dedicou-se à literatura, trazendo características do natura­lismo de Émile Zola e dos irmãos Goncourt, como, por exemplo, suas impressões sobre o quotidiano, sobre as pessoas, sobre a política e, sobretudo, sobre o meio literário, para sua obra. Seus dois primeiros romances, a saber, “Pot-pourri” (1881), em que associa o campo argentino a um deserto e a uma tumba, em que as pessoas se soterram vivas, e “Música sentimental: Silbidos de un vago” (1884), em que sugere semelhanças entre locais argentinos e certos aspectos de Paris, trazem histórias de adultério dentro de uma atmosfera pessi­mista e sombria. Entretanto, seu modo de tratar temas macabros de modo grosseiro escandalizou a sociedade local, não tardando que sua literatura fosse atacada pela crítica. Impactado com isso, o autor procurou modificar seu estilo, o que fez com que seus trabalhos posteriores fossem mais bem recebidos.

Em 1887, “En la sangre”, narrativa sobre um filho de humildes imigrantes italianos que, casando-se com a filha de uma família abastada, galga melhor posição social, mostra como pessoas sem objetivos e sem boa conduta moral são capazes, por seus atos impensados e infantis, de desperdiçarem fortunas até acabarem na miséria total. Um ano após, o lançamento de “Sin Rumbo”, considerado seu romance mais signi­ficativo, traz uma obra que se volta à descrição de personagens representan­tes de patologias sexuais que, de modo similar a “Em la sangre”, também destroem tudo que conseguiram construir na vida. Em ambas, entretanto, Cambaceres tratou dos problemas associados à chegada de imigrantes à Argentina, além das mudanças sociais de seu tempo. Mas, para decepção de seu público leitor, o autor, tal como seus personagens, acabou assumindo a perspectiva da alta burguesia, criticando as classes mais baixas e a imigração eu­ropeia. Em 1888, viajando para a Europa, morou em Paris, procu­rando novos temas para seus livros. Porém, acometido de tuberculose, veio a falecer no mesmo ano, deixando órfã sua filha Rufina Cambaceres, de apenas quatro anos.

Por sua vez, Leopoldo Lugones (1874-1938), poeta, ensaísta, romancis­ta, dramaturgo, historiador, professor, tradutor, biógrafo, filólogo, teólogo, di­plomata, político e jornalista argentino, pertencia a uma família de senhores de terras, de rigorosa educação ca­tólica. Em 1892, incursionando pelo jornalismo e pela literatura, trabalhou para o jornal La Montaña, apoiando o aristocrático Manuel Quintana, candidato a presidente do país, bem como, investiu fortemente em seu talento literário, tornando-se o prin­cipal expoente argentino da corrente literária latino-ameri­cana conhecida como Moder­nismo. De acordo com a crítica, “Los mundos” (1893), coletânea de poemas iniciais, ainda trazia a paixão autoral pela retórica, logo substituída por seu novo olhar para o mundo, imaginati­vo, irônico e extravagante, como é visto em “Lunario sentimental”. Reafirmando tal traço, suas obras, pu­blicadas na primeira década do século XX, trazem versos criativos, precisos e belos, em uma atmosfera decadente e refinada, característica da elegância e da languidez dos modernistas.

A partir de 1910, no entanto, o autor passou a centrar suas produções em temas ligados à exaltação de sua terra e de seu povo, aos assuntos cotidianos e a temas ligados à intimidade. Dedicando-se à prosa, seu “La Guerra Gaucha” (1905), obra sobre a guerrilha gaúcha que argentinos travaram contra os monarquistas espanhóis durante a Guerra da Independência Argentina, entre 1815 e 182, foi adap­tado, em 1941, para o cinema, sob a direção de Lucas Demare. O enredo, fazendo o autor visitar os lugares reais onde aconteceram os fatos, permitiu-lhe registrar a tradição oral da região. História épica, apresenta um vocabulário repleto de metáforas, com diálogos curtos e descrições e observações subjetivas abundantes. As características da paisagem, e a natureza da região, são descritas em detalhes, confe­rindo grande importância ao livro. Tais experiências narrativas, então, acabaram por levar o autor a criar uma poesia de cunho mais narrativo ao final de sua trajetória poética.

Polemista e orador público, Lugones incursionou pelo socialismo, pelo conservadorismo e pelo tradi­cionalismo, acabando, no final, como um defensor do fascismo e inspiração para um grupo de intelectuais de direita, como Juan Carulla e Rodolfo Irazusta. Indo para a Europa em 1906, 1911, 1913 e em 1930, apoiou, neste último ano, o golpe de estado contra o idoso presidente do partido Radical, Hipólito Yrigoyen. Entre 1924 e 1931, também participou dos trabalhos do Comitê Internacional de Cooperação Intelectual da Liga das Nações. Em 1938, desesperado e desiludido, Lugones cometeu suicídio enquanto se hospedava em Buenos Aires. Seus escritos poéticos são, frequente­mente, considerados as obras fundadoras da poesia moderna de língua espanhola.

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