Num tempo em que Ribeirão Preto abrigava empresas cujos funcionários montavam seus timaços de futebol de salão, na avenida Saudade havia uma loja de tintas de nome Lacergama onde trabalhava meu irmão Rubão, o bom de bola da família. Eles se organizaram, e nasceu ali um time que era respeitado na cidade toda. Naquele meio-campo meu mano mostrava sua arte.
Pelo fato de jogar bem e ter um coração que acolhia a todos, a vida fez dele uma pessoa muito querida por jogadores de todos os times, que lotavam quadras todas as noites e finais de semana. Os campeonatos eram disputados pau a pau, com jogos acirradíssimos, e depois tudo terminava em uma resenha sem fim regada a chope, cerveja e deliciosos churrascos. Sempre que sobrava uma brecha, eu participava e até levava meus amigos batuqueiros e a roda de samba agitava o pedaço.
Por gostar de música e futebol, sempre tive admiração por camisas de times. As cores escolhidas cuidadosamente por profissionais de marketing, que também são torcedores apaixonados, me fascinavam. Dos times de Ribeirão Preto, gosto da camisa do Botafogo de cor branca com duas listas no peito, vermelha e preta, e a do Comercial gosto da branca.
Na capital, a do Corinthians de cor branca sem propaganda acho show de bola; do Palmeiras, gosto daquela listrada da época da Parmalat; do São Paulo, gosto da igual à do Botafogo; o Santos ,quando entrava em campo todo de branco, sem nada a não ser o número e distintivo, me encantava. Mas aquela cor grená da camisa da Portuguesa eu achava o máximo. Em Minas Gerais, o azul cruzeirense me ganhou, e a branca do Atlético gosto muito; acho linda a camisa listrada do Fortaleza, o azul clarinho da camisa do Avaí lá de Floripa.
No Rio de Janeiro, a tradicional do Vasco acho linda; do Fluminense, gosto da branca; do Botafogo, gosto da branca com aquela estrela; a camisa cor de sangue do América também gosto; mas a do Flamengo, aquela listrada horizontalmente de vermelho e preto que o craque Zico foi rei, sempre achei o máximo.
Naquele tempo, poucos aqui em Ribeirão Preto tinham a camisa do Flamengo. Meu irmão Rubão tinha a 10 do Zico e, certo dia, ela secava no varal quando um esperto pulou o muro e a roubou. Rubão ficou uma fera e espalhou a notícia entre os boleiros. Seus amigos manjavam a camisa e ficaram ligados. Serginho que jogava no time do Lacergama e, passeando pela cidade de moto, sacou um sujeito dentro de um ônibus segurando naquele ferro, ostentando todo cheio de banca a camisa 10 do meu mano.
Ele passou a seguir o ônibus pra enquadrar o cara, parou num orelhão –naquele tempo não tinha celular –, ligou pro Rubão e entregou a fita. Quando o coletivo entrou na avenida Saudade, bem perto do seu trampo, Rubão e os demais funcionários cercaram o busão. O cara sacou a parada e não quis descer. E a galera gritava: “Desce ladrão, vais levar um pau!”. O cara, amedrontado, só chorava. Nessa altura, em volta do ônibus, estava a maior muvuca, até que o “lalau” abriu a janelinha e, chorando, pediu perdão pro Rubão, dizendo ser casado, pai de um menino.
Anda que não era ladrão, que era Flamengo roxo e ao ver a camisa 10 do Zico balançando no varal, não se conteve e levou-a. Disse também que jamais teria grana pra comprar uma camisa como aquela. A galera, que antes estava revoltada, mudou seu comportamento com o “sambarilove” do cara e meu irmão Rubão, com pena do sujeito, mais uma vez ouviu seu coração, deixou o flamenguista ir embora com sua peita. Este é meu irmão Rubão, coração do tamanho do mundo. Os amigos boleiros fizeram uma vaquinha e compraram pro Rubão outra camisa 10 do Mengão.
Sexta conto mais.