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18 de abril de 2024 | 15:09
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A confiança nas matas ciliares

Alguns assuntos da vasta área ambiental eu devoto verdadeiro carinho. Um deles é o das matas ciliares. Nada me parece mais acolhedor em saber que a vegetação que se desenvolve às margens dos rios tem como objetivo principal protegê-los. As plantas ajudam a manter o volume e a boa qua­lidade das águas. Seja do alto de uma montanha, onde um riacho esperto escorrega por pedras lisas, seja numa planície onde um gigantesco Amazo­nas leva grandes embarcações, ali estão as matas ribeirinhas, conferindo um aconchego às águas que se vão.

Os versos de Dori Caymmi e Fernando Pessoa me ajudam no que quero dizer: “Na ribeira deste rio / Ou na ribeira daquele / Passam meus dias a fio / Nada me impede, nada me impele / Me dá calor ou dá frio/ Vou na ribeira do rio/ Que está aqui ou ali/ E do seu curso me fio/ Porque se o vi ou não vi/ Ele passa e eu confio”.

Pois lhes digo, Dori e Pessoa, dá mais calor do que frio. Quando entra­mos numa mata de galeria, o clima é mais úmido e quente, onde o solo está encharcado e repleto de galhos, folhas e frutos que estão sendo transforma­dos em rica matéria orgânica pela ação dos fungos e dos microorganismos. Esse intenso metabolismo gera calor.

Muitas sementes são trazidas pelo próprio curso d’água ou defecadas pelas aves. Além delas, morcegos e insetos fazem a polinização das flores. Felinos, primatas, ofídios e quelônios também habitam essas florestas de fundo de vale.

Destaque deve ser dado às pererecas, rãs e sapos que dependem de ambientes úmidos para a reprodução, pois o encontro dos gametas ocorre na água ou em solo muito encharcado. Após a fecundação, a fase “girino” da vida só é possível em áreas brejosas. Quando jovem, o sapo ganha seu passaporte para a terra firme.

A água que passa pelo leito do rio gera um som gostoso e calmo que nos remete ao sentimento de harmonia. Com o volume aumentado pelas chuvas, fica-se a imaginar o mundo turvo dos peixes, pois muitos sedimentos adentra­ram àquele ambiente aquático. Como será o trânsito dos peixes?

Às vezes rios namoram ilhas, como na vinheta de Hermeto Pascoal: “Eu vou contar uma história muito antiga/ Daqueles tempos do Brasil Colonial/ De uma ilha mais bonita que a aurora/ E do correio lá do litoral/ O rio de Iguape que che­gava a Cananeia/ Namorava uma ilha/ Lá Serra da Jureia”.

Após visitar Iguape e conhecer a foz do famoso rio paulista, quis prestar minha homenagem ao Ribeira de Iguape, e fiz este poema:“Rio Ribeira/ Paralelo ao mar/ Define banco de areia/ Uma restinga/ Um manguezal/ Em águas salobras/ É provável o robalo/ O Iguape é um poema/ É também meu canto/ À beira-mar/ Rio vivo e misterioso/ Água em largo leito/ Cardumes em trânsito/ Um mergulho impreciso/ Pois você é pura margem/ E termina seu curso/ Onde descalço preocupação/ Forma-se a barra, a ribeira/ Areia, beira-areia/ Entrega-te, Iguape, à imensidão”.

E onde estamos sendo sacanas com as matas ripárias? 1) Excesso de agrotó­xicos e fertilizantes quechegam aos rios. 2) Incêndios provocados e sem controle no período de estiagem. 3) Desmatamentos & Impunidade Brazil Corporation. 4) Inação do Estado, posto que a legislação de áreas de preservação permanente (APP) está vigente desde 1965. 5) Erosão dos solose assoreamento dos leitos provocados por agricultura refém de insumos e máquinas e não baseada nos ciclos naturais. 6) Introdução e disseminação de espécies exóticas.

Mas não quero estragar nosso passeio. A intenção hoje é trazê-los comigo para as beiras de belos rios, pois nosso dia a dia no Brasil está triste e revoltante. E nesse passeio podemos ainda levar no nosso embornal Jobim e Rosa: Águas de Março e A terceira margem do rio. Melhor companhia, não há, lhes garanto!

Fie-se nas águas frias de um riacho da Mantiqueira e saiba que a vege­tação que lhe protege está lá, assim como em nós estão as soluções, as curas e os propósitos. Parafraseando Gilberto Gil na canção “Luar”, ouso cantar: “Dos rios/ Dos rios não tenho mais nada a dizer/ A não ser/ Que nós mere­cemos estar em suas margens”.

Este artigo é dedicado à minha colega de trabalho – hoje amiga –, biólo­ga e educadora ambiental, Dalila Cisneiros Lopes Marsola.

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