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20 de abril de 2024 | 6:27
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A falácia da lei

A lei já foi considerada a relação necessária que se extrai da natureza das coisas. A ela todos se curvaram no decorrer da História, bastando lembrar que os Romanos, dos quais herdamos esta arquitetura notável da Ciência Jurídica, já viviam sob a égide do “dura lex, sedlex”. A lei pode ser dura, severa, pesada. Mas é a lei. Não há como deixar de cumpri-la.

Com o passar do tempo, a lei – produto do mais impor­tante dentre os Poderes o funções estatais, o Parlamento – deixou de ser esse conceito coincidente com o direito. A vida se tornou mais complexa. O legislador não tem o con­dão de prever todas as hipóteses em que a normatividade incidirá, pois a realidade é muito mais exuberante do que a imaginação humana.

Um outro fenômeno é a dificuldade de enfrentar temas polêmicos. O Brasil do dissenso não consegue, por exem­plo, realizar a Reforma da Previdência, mesmo com plena consciência de que o Estado está falido e os próximos anos serão de penúria e convulsão social. O Parlamento não pode desconhecer que um dos mais graves problemas contem­porâneos é o aquecimento global. Ainda assim, não conse­gue editar normas que protejam o ambiente. Ao contrário, revoga o Código Florestal, flexibiliza licenças ecológicas, anistia o dendroclasta, deixa de executar as pífias multas por infrações ambientais.

Por isso, as normas gerais convertidas em lei oferecem apenas um esquema, no qual têm abrigo múltiplas possibili­dades de concretização. Não existem critérios que obriguem o juiz a enveredar por este ou aquele modelo interpretativo.

O juiz é uma fonte de produção jurídica, fonte plenamente liberta. Não é fonte subordinada e dependente. Segundo já afirmava François Gény, os magistrados “devem buscar, fora e acima desses elementos, os meios para cumprir plenamente a sua missão”. Assim, a decisão judicial é a continuação do processo de produção de normas. Aplicação e, mais do que isso, criação do direito.

Uma Constituição não é uma lei qualquer. Utiliza con­ceitos não apenas jurídicos, mas políticos. Como pretender que o seu intérprete deixe de fazer política? Ele é obrigado a se manifestar sobre dispositivos de um documento político, expressão da soberania, decisão política de um povo de se governar de determinada forma. Isso significa a abolição das regras tradicionais da hermenêutica jurídica e sua substitui­ção por regras próprias de interpretação constitucional. Nem todos entendem isso. Daí a perplexidade de muita gente em relação ao protagonismo do STF. Mas essa a realidade presen­te. Temos de conviver com ela.

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