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28 de março de 2024 | 9:44
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A Revolta da Vacina

Às vezes penso que estamos vol­tando no tempo. Lendo, hoje, notícias a respeito da grave pandemia que assola nossos dias, vi que alguns grupos de pes­soas não concordam com a vacinação e se negam a serem vacina­dos, como ocorreu no passado. Procurei saber um pouco mais da história da vacinação no Brasil. Chamou minha atenção a Revolta da Vacina.

Corria o ano de 1904. A imprensa relatava dificuldades para aceita­ção das vacinas. No Rio de Janeiro, capital federal, as dificuldades eram maiores, culminando com uma verdadeira revolta entre os dias 10 a 18 de novembro. Como não havia rádio e televisão as notícias ficavam a cargo da imprensa, que descreveu o movimento como a mais terrível das revoltas populares da República.

A minoria alfabetizada se encarregava de transmitir nos bares e nas esquinas as novas notícias, sempre “aumentando um ponto”. É interes­sante a leitura dos textos da época e das ilustrações plenas de humor, principalmente na revista O Malho, fundada em 1902. No editorial de 02 de julho de 1904 o Malho publicou “Esta República precisa é de vacina, incluindo as de ouro e… juízo”.

A revolta buscava confrontar a lei que tornava obrigatória a vaci­nação contra a varíola e o principal responsável por sua aplicação, o médico sanitarista Oswaldo Cruz, que já vencera a febre amarela, mas ainda não convencera os negativistas. Entre os que se colocavam contra a vacinação estavam os positivistas que se colocavam contra a vacinação obrigatória por chocar com sua filosofia de liberdade individual.

Outro grupo protestava contra o fato de que as ações incluíam limpeza da cidade, o que levaria para a periferia do Distrito Federal a população de menor renda. Na verdade era um protesto contra as mudanças impostas de cima para baixo. Em 1904 esses protestos toma­ram forma de um verdadeiro levante, que tomou todo o Rio de Janeiro. Houve confusão e quebra-quebra no centro da cidade e trincheiras em bairros portuários.

Ao final o que via era horripilante: bondes virados, trilhos arranca­dos, calçadas arrebentadas, postes destruídos, enfim era um verdadeiro cenário pós-guerra. Essa Revolta da Vacina deixou 23 mortos, 90 feridos, e enorme perda econômica. Os presos foram sumariamente enviados para o que hoje é o do Acre nos porões de navios do Lloyd Brasileiro. O historia­dor Pedro Calmon relata rimas populares recolhidas depois da Revolta:

“Ficou em estado de sítio
A Capital Federal,
Com espaço de trinta dias
O medo era geral!
Com a prisão dos revoltosos
Voltou a paz afinal”.

Então? O que achou? Evoluímos muito em um século?

PS: Em 29 de outubro de 1904 a revista “O Malho”, prevendo a re­volta, publicou a charge que ilustra este artigo, representando a fúria da população contra a vacinação compulsória. A charge faz parte do acervo Fiocruz. Na população se dizia que o “Napoleão da seringa e lanceta”, apelido que deram a Oswaldo Cruz, parodiando Dom Quixote, nem com um exército teria sucesso.

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