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29 de março de 2024 | 5:52
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As razões e os mistérios de Davos e Bacurau

Davos é uma cidade de 11 mil habitantes localizada nos Alpes Suiços, próxima à Áustria e à Alemanha, que todo final de janeiro sedia o fórum das fortunas. Segundo o historiador brasileiro Voltaire Schilling, em recente artigo publicado no Terra sob o título “Davos, a Montanha Mágica”, é pro­vável que o Fórum Econômico Mundial tenha surgido (1971) em resposta à criação da Organização das Nações Unidas (1948).

Esta, o resultado de movimentos terceiro-mundistas e Davos, o encontro dos ricaços da neve. Mil empresas-membro com grandes receitas e grande importância em seus países de origem financiaram o 50º Fórum de Davos neste ano (21 a 25 de janeiro). Apenas 2.200 convidados e aproximadamente 500 jornalistas acompanharam as apresentações e discussões.

Mas Davos é também o cenário geográfico de um dos livros mais influentes do século XX: A Montanha Mágica, de Thomas Mann, publicado em 1924. O livro narra a permanência de um jovem alemão, estudante de engenharia, no Sanatório de Berghof. A princípio está em visita a um primo, mas ao resfriar-se inicia um tratamento e permanece na casa de repouso. Ele afasta-se de sua vida na planície em Hamburgo e permanece cerca de 7 anos na montanha onde se desliga do tempo, da carreira e da família. Recebe visitas e caminha pelos ares frios e frescos de Davos.

No início do romance ele recebe duas visitas que influenciam bastante suas reflexões sobre a vida: Settembrini – um italiano humanista, enciclope­dista e de ideias liberais – e Naphta – um jesuíta totalitário e conservador. Ao se sentir curado, Castorp desce e alia-se às tropas alemãs da Guerra de 1914. Perde-se na névoa e na fumaça da pólvora…

2020 é um ano crucial para a questão climática, pois as queimadas na Amazônia e na Austrália em 2019 revelam que o modelo de desenvolvimento predominante coloca a humanidade em um cenário imediato e futuro de grandes dificuldades e profundos sofrimentos. O critério da sustentabilidade ambiental já havia sido considerado em outras edições de Davos, mas neste ano teve seu ápice.

A nova ordem mundial é o fato de que a proteção e o uso adequado do meio ambiente tornam-se, desde então, “condição” para fazer negócios. Va­mos acompanhar! Governos de retóricas populistas que negam o aquecimen­to global e acusam ONGs por queimadas deixarão de receber investimentos de fundos internacionais. O desmantelamento da legislação e dos órgãos ambientais pode até satisfazer os conservadores de cá, mas já não enganam mais os investidores de lá. Paulo Guedes foi “enquadrado” por gestores e jornalistas na Suíça sobre a antipolítica ambiental de Bolsonaro.

Bacurau foi filmado no povoado da Barra, que conta com menos de 100 habitantes e está localizado na zona rural de Parelhas, no Seridó Potiguar (RN). Segundo seus diretores, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, houve um grande cuidado com a comunidade durante o período de filmagem. Muitos trabalharam como figurantes e 800 empregos diretos e indiretos foram gerados na produção. A sustentabilidade de uma sociedade também é construída a partir da valorização do outro, mesmo que o outro não seja poderoso.

A caatinga verde e um belo monte próximo ao povoado fizeram parte do cenário de Bacurau. O filme estreou em 2019, mas sua concepção teve início dez anos antes. Com o passar dos anos, os diretores perceberam que a realidade foi se aproximando da ficção. A violência no Brasil cresceu e a morte vem se tornando algo banal. Corremos o sério risco de nos perder no sangue da barbárie.

Mas bacurau também é um pássaro. Uma ave de hábito noturno, de voo rápido e soberano. Também é conhecido por curiango, carimbamba ou mede-léguas. Possui ampla distribuição geográfica na América do Sul. São pássaros extremamente ágeis quando estão em voo. Todas as noites há hordas de curiangos que sobrevoam ares tropicais do país…

Nas montanhas alpinas ou nos montes do sertão brasileiro há magia e lucidez. É preciso que subamos a novos patamares civilizatórios. Aprofun­demos nosso conhecimento e nossa atenção perante as coisas da vida neste momento histórico em que vivemos. Respire de modo consciente.

“Vim aqui só pra dizer/ Ninguém há de me calar/ Se alguém tem que morrer/ Que seja pra melhorar/ Tanta vida pra viver/ Tanta vida pra acabar/ Com tanto pra se fazer/ Com tanto pra se salvar/ Você que não me entendeu/ Não perde por esperar” (Geraldo Vandré, Réquiem para Matraga).

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