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20 de abril de 2024 | 11:58
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Burnout, depressão e covid: a saga dos professores

Sociedades educadas são sociedades prósperas. Mas uma educação de qualidade não é um objetivo trivial de conquistar. São necessários, por exemplo, investimentos pedagógicos, de formação, e infraestrutura física nas escolas. O professor é uma peça fundamental nesse processo, às vezes esquecida, assim como a importância da sua saúde mental e condições de trabalho. Vale notar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) classifica essa profissão como uma das mais estressantes. Um artigo publicado na “Teaching and Teacher Education” em janeiro,dos pesquisadores finlandeses Timo Saloviita e Eija Paka­riness, confirma esse diagnóstico, qualificando que o estresse existe independen­temente de contextos educacionais e culturais.

Assim, é preciso falar das condições de trabalho e da saúde mental desses profissionais, acometidos por problemas como burnout e depressão, verdadei­ros obstáculos para uma melhoria da qualidade da educação no Brasil. Dados da pesquisa recém-lançada pelo Instituto TIM “Saúde Mental e Bem-Estar dos Professores Brasileiros do Ensino Fundamental”, coordenada por mim com colaboração de colegas do PPGE de Economia da PUC-RS, nos ajudam a carac­terizar essas questões.

Foram entrevistados pré-pandemia, em janeiro de 2020, 770 professores de 22 estados de escolas públicas municipais, estaduais e privadas. Depois, em no­vembro de 2020, 283 responderam ao mesmo questionário com questões extras sobre a pandemia. A pesquisa utilizou instrumentos validados pela literatura para medir a saúde mental dos professores: JCQ questionário de satisfação no trabalho; MBI, Registro de Burnout de Maslach; PHQ-9, questionário de saúde do paciente usado para depressão e WEMWBS, a escala de Bem-Estar Mental de Warwick-Edinburgo.

Os principais resultados desta pesquisa foram: as condições de trabalho dos professores brasileiros são muito difíceis. Dão uma média de 30.5 horas de classe por semana e trabalham mais quatro horas em atividades diversas. De fato, 25% trabalham em duas ou mais escolas e 24% exercem outras atividades para com­plementar sua renda. Pior, 40% já experimentaram nos últimos dois anos algum atraso ou parcelamento de salário. Além disso, 77% trabalham em bairros econo­micamente vulneráveis. E 33% deles trabalham em escolas onde faltam recursos ou material didático para suas aulas. A violência é uma característica presente: 21% dos professores já foram ameaçados por algum aluno e 64% já presenciaram agressão verbal ou física de alunos a professores ou funcionários da escola.

Não deve causar nenhum espanto que 61% dos professores se sintam, com alta frequência, esgotados ao final do trabalho e que 52% sintam que estão no seu limite. Para 48%, com alguma frequência o trabalho pode estar lhe endurecendo emocionalmente. Esse burnout não é apenas um problema individual dos profes­sores; tem repercussões institucionais e funcionais, como redução do aprendiza­do dos alunos, maior taxa de ausência dos professores, etc. No limite, isso chega à depressão, mencionada por 16.6% dos entrevistados. Essa taxa excede os parâ­metros internacionais, que sugerem índices de depressão docente entre 5-10%, como calculados pela Nuffield Foundation e o UCL Institute of Education de Londres. Em particular, chama atenção que 14% no Brasil, em algum momento, considerou o suicídio – é um problema grave de saúde pública.

As evidências da pesquisa do Instituto TIM ainda detalharam alguns aspec­tos do que os professores enfrentaram nessa pandemia: 78% tiveram problemas com seu sono, 67% enfrentaram problemas de dinheiro, 66% tiveram dificulda­des de adaptação às aulas remotas e 58% lutaram contra obstáculos para minis­trar essas aulas, como barulhos e interrupções. O surpreendente das evidências coletadas é que a situação ‘normal’ dos professores é tão perversa que a pandemia serviu de alívio. Caiu em 20% o sentimento de desânimo ou desesperança, em 23% o sentimento de cansaço e falta de energia e em 14% o sentimento de que não gosta de si mesmo. Mais importante, caiu em 15% o desejo de suicídio.

Ensinar é um ato de amor. Além do mero conhecimento, precisa motivação, carinho, preparação, planejamento, empatia, algo de entusiasmo e uma atitude positiva em relação ao futuro. Professores com burnout ou com sintomas de depressão não conseguem dar o melhor de si para uma educação de qualidade. Precisam de cuidado para que cuidemos todos de nosso futuro.

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