Na transição do século XVII para o século XVIII, última e primeira décadas, respectivamente, a França liderava no campo da ciência geográfica e astronômica graças ao generoso subsídio permitido pela realeza. Neste contexto, a nova burguesia francesa, em ascensão social, buscava por mapas de alta precisão de longitudes e de detalhes. Em assim o sendo, tais mapas lhes permitiriam maior controle da Natureza e do domínio militar e mercantil. Até então, mesmo os mais precisos, ainda sofriam de incorreções baseadas no sistema ptolomaico.
Em 1666, um renomado grupo de astrônomos, matemáticos e cartógrafos cria, em França, a Academia Real de Ciências de Paris, propondo, como meta, a revisão, correção e aperfeiçoamento das técnicas cartográficas. A primeira providência a ser tomada? Promover estudos de longitude que levassem à correção do erro ptolomaico, bem como, à invenção de novos instrumentos de medida, mais precisos na descrição cartográfica do mundo. Alcances? Não tardou para que uma nova e mais exata medição do arco da circunferência terrestre fosse alcançada, impulsionando definitivamente o avanço cartográfico no século XVIII.
Após anos de estudos e observações, Giovanni Domenico Cassini (1625-1712), astrônomo italiano, foi chamado pelo rei Luís XIV a fim de tomar parte como membro da Academia Real de Ciências de Paris. Ali, elaborou um grande mapa da superfície da Lua, onde as montanhas aparecem de uma maneira quase tridimensional, bem parecido com as fotografias modernas. Esse trabalho cartográfico de notável valor estético manteve-se com um dos melhores já compilados por mais de cem anos. Por adição, também mediu a variada distância de Marte ao Sol (entre 206 e 249 milhões de quilômetros), decorrente, esta, de sua pronunciada excentricidade orbital, que também ocasiona uma sensível variação da distância de Marte à Terra (entre 57 e quase 100 milhões de quilômetros).
No mais, a descoberta de uma enorme mancha oval na região tropical sul de Júpiter, denominada a Grande Mancha Vermelha, um redemoinho ciclônico capaz de engolfar com facilidade o nosso próprio planeta, e que até hoje não parou de girar na densa atmosfera do planeta gigante, bem como, a duração da rotação de Marte e a identificação de uma estreita falha entre os anéis de Saturno, que o dividia em duas partes (Divisão de Cassini), o tornariam muito conhecido.
Cumpre lembrar que os quatro maiores satélites de Saturno, depois de Titã, a saber, Jápeto (1671), Rea (1672), Tétis e Dione (1684), também foram descobertos por Cassini e a utilização de outros resultados de seu trabalho por seu colaborador Ole Roemer, astrônomo dinamarquês, levou à determinação da velocidade da luz. Naturalizado francês, Cassini ficou definitivamente ligado à França, constituindo uma dinastia de quatro gerações voltada ao levantamento dos mapas topográfico da França. Guillaume De L’Isle (1675-1726), aluno de Cassini, também alcançou elevado prestígio como cartógrafo e editor de mapas graças a sua grande precisão nos perfis das terras na marcação das coordenadas. Dedicando especial atenção cartográfica às terras de ultramar, cenário da aventura colonial francesa, removeu os erros celestes que foram copiados de Ptolomeu, criando um novo e preciso globo celeste.
Com a mesma determinação de L’Isle, outro cartógrafo francês, D’Anville (1697-1782), publicou mais de duzentos mapas e várias edições de Atlas, dentre estes o da China (1737), no qual adaptou os levantamentos dos jesuítas. Estudando não só historiadores antigos e modernos, como viajantes, poetas, oradores e filósofos, excluiu de sua cartografia áreas desconhecidas dos continentes, optando por espaços em branco a publicação de informações duvidosas.
Em conjunto, Cassini, De L’Isle e D’Anville despiram a cartografia das representações fantasiosas para a erigirem em verdadeira ciência.