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28 de março de 2024 | 13:15
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Causos que vivi com Sócrates

Eu, com 1,77 metro de altura e pesando quase 100 quilos, aos 71 de idade, estava meio devagar, havia meses que tinha deixado de caminhar e naquele check-up anual, o Dr. Said Miguel Junior, meu cardiologista e amigo que mora e atende em Batatais, recomendou­-me mexer o esqueleto para baixar tudo que deu alterado.

Minha primeira-dama tomou a frente e lá fomos nós pra aca­demia. Um ano depois eu já estava na ponta dos cascos, mas aí veio essa pandemia e tive de ficar concentrado, até que decidi caminhar novamente, mas com todas as precauções, é claro.

Numa dessas, cruzei com um leitor do nosso jornal Tribuna que me reconheceu pelo chapéu “Panamá” e fez um pedido: “Buenão, escreva mais sobre o Sócrates, leitores como eu adoram causos de uma pessoa tão especial como ele, e ninguém melhor que você pra nos dar este prazer”.
Disse a ele que temia saturar os leitores, mas, ele arrematou, “de maneira nenhuma, lemos tantas coisas desinteressantes. E olha, Bue­não, não tem quem não gosta de um bom causo”. Ele me convenceu e hoje conto um pouco mais sobre o Doutor.

Said formou-se na USP, na turma do Dr. Sócrates. Esse Dr. Said é de se admirar: toca cavaquinho, violão, acordeom e mais alguma coisa. Tocamos juntos várias vezes. Lembro-me de uma vez em Batatais. Lá tem uma emissora de TV local, a TV Educadora, e o programa “Gordo onze e meia” era o xodó da cidade.

Enquanto os músicos tocavam e cantavam, a produção não deixava seus copos de chopes vazios. Era um tal de molhar a música que não tinha fim. Sempre levavam um empresário para cozinhar, tudo ali, ao vivo. Vou te contar, saía cada rango de dar água na boca.

Recebi o convite e lá fui eu. Levei meu ritmista Gersinho e con­videi o saudoso seresteiro Caburé, que topou na hora. Começamos a cantar sentindo o cheiro dos temperos vindos da cozinha, e enquan­to alguém nos servia aquele chope, mandei uma seleção de samba de respeito. Porém, senti a falta de um cavaquinho.

Olhei para a câmera que me focava e disse: “Said, meu parceiro, se você estiver assistindo, pegue seu cavaquinho e venha dar um molho no nosso samba”. Não demorou dez minutos e ele já estava em cena mandando ver aquele som delicioso do seu cavaco. Aí a coisa pegou fogo.

Sócrates sempre foi apaixonado por música, e vira e mexe estava pró­ximo de alguém que entendia do riscado. Ele e Said não se desgrudavam e, juntos, fizeram estágio de medicina em várias cidades. O cardiologista me contou que, em Cássia dos Coqueiros, após um plantão, foram jogar truco e comer galinhada no sitio de dois violeiros da cidade.

Não tinha luz elétrica, o negócio era na base do lampião. Antes de escurecer, temperaram os frangos e ferraram no jogo e birinaite. Uma chuva daquelas refrescou a noite calorenta. Água corrente não tinha, e pra cozinhar a galinhada foram buscar água numa bica pró­xima. Num instante o cheiro do cozido estava no ar. Mas, quando fo­ram comer a tal galinhada, ninguém conseguiu, pois a água da bica veio com areia que a forte chuva trouxe, e no escuro passou batido.

Quando me tornei amigo de Sócrates, e ele colocou letra em muitas músicas minhas, certa vez viajou e quando voltou, duas semanas depois, me ligou, dizendo: “Buenão, vamos dar uma banho na garganta lá no empório hoje à noite?” Respondi: “Tô dentro”. E o Doutor avisou: “Então leve o violão, vamos cantar nossas músicas”.

Naquela noite ele estava que era só felicidade, contando cau­sos, ligando pros amigos da Seleção de 1982, ele sempre fazia isso. Lá pelas tantas, falou: “Buenão, escuta essa: jornalistas vieram me contar que uma marca de cerveja convidou meu irmão Raí, que tá arrebentando no São Paulo, pra fazer um comercial e ele recusou, pois queria preservar sua imagem”.

“Acho que o Raí tá certo, Magrão”, respondi, já perguntando: “O que você disse aos jornalistas”. Ele riu muito e falou: “Buenão… He, he, he. Disse que convidaram o cara errado. No Brasil, os únicos com doutorado pra fazer comercial de cerveja somos eu e Zeca Pagodinho…”. Como não rir?

Sexta conto mais.

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