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18 de abril de 2024 | 19:56
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Cérebro, Cognição e Comportamento (7)

A maioria dos pesquisadores da dor crônica estuda-a como uma experiência sensorial. Eles entendem que, se reduzirmos a dor física, o paciente se sentirá melhor. Todavia, entendemos que devemos olhar tanto a dimensão física quanto a dimensão mental, psicológica, no estudo da dor. Recentemente, temos observado, e constatado, que pacientes com dor crônica são frequentemen­te ansiosos, bem como, que, se sua dor persiste por longo tempo, muitos sofrerão depressão e perderão a esperança. Em adição, muitos pesquisadores estão se distanciando da ideia de que as desordens mentais são exclusivamente genéticas, isto é, se você tem um gene “ruim”, isto decorre do fato de você ter uma doença. Entendemos que, se dor crônica causa mudança física o suficiente no cérebro, qualquer um pode se comportar igual a um paciente mentalmente doente. Assim, para melhor entender, e tratar, a dor, necessitamos, por certo, observar sua causa física, mas, também, sua saúde mental e cognição, ou seja, seu bem-estar – seu emocional.

Atualmente, pesquisadores têm reconhecido aquilo que os pacientes observam há muito tempo: dor crônica produz ansiedade e ansiedade agrava a dor, tornando-a cada vez pior. De fato, há uma conexão entre ansiedade e dor crônica, tendo, ambas, intensa atividade nas mesmas partes do cérebro, ou seja, um mecanismo no córtex cingulado anterior do cérebro, ou ACC, pode explicar tal conexão. Os neurônios, nesta região do cérebro, lidam com aprendizagem e memória. Para o cérebro, tanto dor crônica quanto ansiedade, são comportamentos aprendi­dos em que os mesmos padrões se desenvolvem ao longo do tempo, em conexões denominadas de potenciação a longo-prazo.

A partir de um inovador trabalho, publicado na revista Neural Plast (2017, Sheng et al, The Link between Depression and Chronic Pain: Neural Mechanisms in the Brain) estudiosos sugeriram uma possível explicação para o motivo de ansiedade e dor crônica interagirem, fazendo com que uma piore a outra. Os neurônios, em experiências repetidas, comunicando-se através de sinapses, estruturas plásticas que transmitem impulsos nervosos de um neurônio para outro, o que significa que mudam fisicamente em resposta ao estímulo, podem reforçar estas mudanças e, ao longo do tempo, as mudanças físicas podem tornar-se permanentes. Isto é similar a uma memória aprendi­da. Quando isto ocorre, pode-se vivenciar uma sensação sem uma causa subjacente, tal qual nos amputados que têm dor num membro que não existe mais. Os obtidos por estes pesquisadores mostraram, similarmente, um processo de “memória aprendida” para a ansiedade, numa parte diferente da mesma sinapse, na qual é possível observar atividade conectada à dor crônica.

Assim, quando estas duas funções se tornam compartilhadas, e parceiras, elas pioram, ou agra­vam, uma a outra. Em outras palavras, quando você tem dor crônica, você desenvolve ansiedade. Por você ter ansiedade, você sofre mais dor crônica. Esta é a primeira evidência de que ansiedade é conectada a mudanças duradouras nas sinapses.

Ademais, depressão, e dor crônica, têm sido estimadas ocorrer em mais que 50% dos pacien­tes, com tal comorbidade caracterizando-se como a mais incapacitante, e mais cara, tanto para os pacientes quanto para a sociedade do que cada desordem isoladamente. Depressão, e dor, são duas das mais prevalentes desordens psiquiátricas e neurológicas no mundo, estando, ambas, associa­das a elevada incapacidade e alta mortalidade, potencialmente prejudiciais à qualidade de vida. Embora cada uma, por si própria, seja considerada uma separada desordem debilitante, estudos sugerem que ambas frequentemente, coexistem, levando à constatação de que esta associação pode ser elevada em 80% dos pacientes.

Pacientes exibindo comorbidade, depressão e dor não respondem tão eficientemente ao trata­mento farmacológico, o que faz desta comorbidade algo muito incapacitante, e com custos mais elevados, tanto para os pacientes quanto para a sociedade, do que cada uma das condições em separado. Tem sido demonstrado, também, que a severidade da depressão se correlaciona, di­retamente, com uma aumentada severidade de sintomatologia de dor. Todavia, deve-se notar que, uma relação intricada existe entre depres­são e dor, de tal modo que, embora dor seja, comumente, registrada por pacientes deprimi­dos, examinando os limiares de dor para vários estímulos, tais como, frio, calor e pressão, têm sido demonstrados ser reduzido, aumentado ou inalterado, os efeitos que dependem da modali­dade, e da intensidade, do estímulo.

Progressiva evidência tem destacado um importante papel do sistema endocanabinoide na modulação do processamento emocional e no­ciceptivo, revelando que este sistema pode ser uma peça-chave muito importante na associação en­tre dor e depressão. Estes resultados têm enriquecido nosso entendimento de fisiologia fundamen­tal da dor, e sua modulação, nos estados afetivos negativos, podendo facilitar o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas para o tratamento de dor, desordens do humor e do temperamento, e suas respectivas comorbidades.

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