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19 de abril de 2024 | 3:13
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E tudo começou com um leão

Fabiano Ribeiro

Fora dos padrões visuais, tanto pelas suas tatuagens, quanto pelos adornos que usa em suas perfurações ou mes­mo pelas roupas que veste, Kelsen Renato Bianco, 50 anos, ou simplesmente Kelsen, é uma figura que causa impacto na primeira impressão. Músi­co e vendedor em uma loja de artigos de rock, é o primeiro entrevistado da série que o Tri­buna fará com alguns persona­gens da cidade.

Quem o vê à distância e nunca conversou com ele deve imaginar muita coisa. Mas, por trás das tatuagens há uma pessoa com fala calma e mui­tos ideais originários do movi­mento punk.

Kelsen concorda que é fora dos padrões e explica porque escolheu esse estilo de vida.
“Quando eu era jovem fazia porque realmente gostava. Tam­bém como forma de contesta­ção. Queria quebrar os padrões, mas gostava muito do visual. Era muito do movimento punk. Não queria seguir moda… de ter que ser assim ou assado,” explica.

Ele revela que sentiu pre­conceito. “Antes havia muito. Hoje estão acostumados com a minha figura. Agora, tatuagem e pircing são modas. Antes, ta­tuagem era coisa de bandido, e perfuração, coisa de índio. Isso mudou muito, o pessoal da TV usa bastante”.

A primeira tatuagem
Kelsen sempre gostou de tatuagens. Comprava chiclete Ping Pong apenas para pegar as tatuagens temporárias dos per­sonagens da Walt Disney. Não ligava para a goma de mascar.

“Desde criança sempre pensava e falava: Um dia vou fazer, mas não imaginava que seriam tantas,” ri. A primeira foi feita ao completar 18 anos de idade. Um leão em posição de ataque, no braço. “Recen­temente fiquei sabendo, uma coincidência, o leão é um dos brasões da minha família.”

Dois anos depois da primei­ra tatuagem começou a fazer mais e mais. A preferência era por caveiras. “Caveira é símbolo de igualdade. A sociedade em que vivemos é cheia de precon­ceito por classe social, opção se­xual, raça e cor de pele. Se colo­carmos uma caveira ao lado da outra, mostra que somos iguais. Gosto disso”.

Também usa as tatuagens para homenagear fatos e ami­gos. “Por exemplo, se eu ouço uma frase de um amigo com sig­nificado e me marca, faço algo relacionado em homenagem”. Mas se ver um desenho interes­sante, procura fazer também.

Rosto, braço, tronco estão cheias de desenhos, frases e ca­veiras. Algumas se misturam. Kelsen brinca que gostaria de fazer outras no rosto. “Mas não tem mais espaço”.

Sem redes sociais e telefone. Kelsen só aparece no mundo
virtual quando as pessoas e amigos postam algo

Bonecas penduradas pelo corpo
Além das tatuagens, os mui­tos pircing e perfurações tam­bém chamam a atenção das pes­soas. São colares com bonecas, objetos variados e coloridos. No dia da entrevista, Kelsen usava uma ‘coxa de frango as­sada, ’ de borracha, que fazia barulho quando ele apertava, em perfurações nas orelhas.

“Não são tão comuns as coisas que uso. Sim, me diferen­ciam. Quem vai usar isso? Mas eu gosto. Me faz sentir bem”.

Ele revela que gosta de ir a lojas populares, de R$ 1,99. “Lá eu viajo. Vejo as coisas, fico pen­sando, compro e depois uso,” ri. “Gosto de inventar. Isso vem do movimento punk que prega: o faça você mesmo,” salienta.

O visual muda quase todos os dias. “Vou sempre trocando. Tenho vários e vou colocando nas perfurações, no nariz, boca, orelha… vou mudando”.

Sobre a família, Kelsen revela que no começo foi meio difícil. Os pais não aceitavam muito. “Depois viram que não tinha jei­to, que não era temporário. Eles aprenderam a aceitar”.

Quem quiser encontrá-lo nas redes sociais, pode esquecer. Kelsen diz que “não é ligado”. “Tem só as coisas que amigos postam”. Nem celular ou telefone ele possui. “Mas não é idealismo não, só não tenho necessidade… é um lance pessoal”. Também diz que não é consumista. “Gra­na a gente não vive sem, mas sou econômico. Não gasto demais”.

Ao comentar sobre álcool e drogas, diz que já usou quase todas, mas que atualmente gos­ta de beber destilado. “Eu bebo mesmo. Tomo uns porres le­gais,” conta.

Atualmente está solteiro e diz estar bem. “Já tive namora­das, morei junto, mas tô de boa”.
Sobre novas tatuagens é en­fático. “Claro. Nem se for uma pequena vou fazer,” finaliza.

Quando Kelsen vira Abigail Papilon
Kelsen diz que o rock faz parte da sua vida desde criança, mas que se envolveu no movimento punk quando adolescente. Aos 16 anos montou a primeira banda: ‘Os Corsários’. Hoje faz apresentações em várias cida­des com a ‘Distúrbio Mental’. É quando entra cena Abigail Papilon, uma personagem. “Eu criei Abigail Papilon faz 19 anos. Me transformo quando vou tocar. Uso adornos diferentes. Faço pinturas diferentes. Na época pensei: por que não criar um nome para essa criatura, esse persona­gem andrógeno que eu criei?”. E tem uma explicação. Papilon é borboleta em francês. Um símbo­lo de transformação, de mutação. Abigail é o nome da mãe. Ao ser perguntado sobre o que acha do próprio trabalho musi­cal, Kelsen brinca. “Sei lá meu, a gente faz barulho… é engraçado falar que sou músico”. A Distúrbio Mental existe desde 1993. Foi quando ele deixou de ser baterista da banda ‘Desem­prego’ para se tornar vocalista. “A gente sempre tinha proble­mas com vocalista. Eu escrevia as letras e tomei a decisão de cantar. As letras, a maioria é minha mesmo”. Além dele nos vo­cais, a formação atual tem ainda, Tom Coala, na guitarra, May, no baixo e Portuga, na bateria. A banda tem CD e DVD gravados, além de um público cativo. “Mas a gente não ganha dinheiro. Pra sobreviver não tem como. Acaba sendo forma de passar as ideias e expressão. O público é legal. Tem época mais forte. Tem altos e baixos como em todos os movimentos”, explica. Paralelo à banda, desenvolve outro projeto musical. Tam­bém com influência do punk, mas com pitada eletrônica. É o Kbçadbod (cabeça de bode), que existe há 16 anos.

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