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18 de abril de 2024 | 12:06
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Errou a letra e desafinou

Olhando na folhinha – sim, ainda uso agenda de papel e folhinha com calendário– encontrei que 21 de maio é o Dia Mundial da Diver­sidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento. A data marca a aprovação pela Unesco da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural e objetiva chamar atenção para a importância do respeito e da preservação da diversidade cultural, um dos elementos fundamentais para o desenvolvimento sustentável e a manutenção da paz no mundo.

É importante lembrar que para o documento “a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as formas de viver em comunidade, os sistemas de valores, as tradições e as crenças”.

Assim, a diversidade cultural é patrimônio e questão de direitos humanos, pois é diretamente relacionada com a questão da identida­de. Com essas garantias entende-se que qualquer pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que respeite plenamente sua identidade cultural. Desta forma , quando falamos de cultura brasileira, precisamos respeitar e contemplar a diversidade geográfica e cultural nacional e garantir o pluralismo de visões.

Falando em visões plurais, não podemos fechar os olhos ao embate travado nas redes sociais após os ataques de um cantor sertanejo universitário contra artistas beneficiados pela Lei Rouanet. Ele errou a letra e desafinou, sendo curioso como cantores que recebem milhões de cofres públicos, através de contratos diretos com prefeituras, inclu­sive sem licitação ou qualquer critério de escolha ou controle, insistem em atacar uma das poucas ferramentas de democratização da cultura e que conta com regras e critérios públicos e transparentes.

Muito criticada, porém pouco explicada, a lei brasileira de incen­tivos fiscais à cultura, criada em 1991, permite que pessoas físicas e jurídicas façam aportes para projetos com incentivo fiscal, na forma de desconto no seu Imposto de Renda. Esses recursos possibilitam a realização de ações diversas como feiras literárias, publicação de livros, exposições de artes visuais, gravação de músicas, produção de espetáculos teatrais, restauração de patrimônio tombado, construção e manutenção de teatros e cinemas em cidades pequenas e festas popu­lares, entre outros. O incentivo aos projetos é feito na forma de doação ou patrocínio, sendo que na segunda opção é possível a promoção da marca ou imagem do incentivador. Captar recursos não é um processo fácil sendo necessário passar por cinco etapas até a aprovação.

Nos últimos anos os recursos para a Lei estão sendo drasticamente reduzidos enquanto os infundados ataques aumentam vertiginosa­mente. O que pouco se fala é do retorno, pois além dos aspectos de formação e preservação cultural, estudos apontam que, a cada R$ 1 investido em projetos culturais por meio da Lei Rouanet, R$ 1,59 retorna para a economia do país, inclusive na movimentação da cadeia produtiva com geração de emprego e renda.

Para qualificar o debate, podemos buscar exemplos de sucesso em dois países que são referências em cultura: Alemanha e França. A primeira com sua gigantesca rede de casas de concerto, teatros, óperas e bibliotecas tem nos cofres públicos o maior sustentáculo, tudo descentralizado e com participação das administrações regionais. Na segunda a cultura sempre foi prioridade de Estado, transformou-se em artigo de exportação e um dos maiores motores da economia que trabalha em sintonia com o turismo.

Voltando à nossa realidade, temos uma das maiores diversidades culturais do planeta e pouco aproveitamos. Como toda lei ou política de estado que envolve recursos públicos, sempre será necessário aprimorar os mecanismos de controle, fiscalização e transparência, mas tentar acabar com os incentivos ou direcioná-los por questões ideológicas é algo inaceitável, um verdadeiro atentado à cultura e a todos os brasileiros.

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