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19 de março de 2024 | 0:45
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‘Histórias de quem gosta de ensinar’ na Serra da Canastra

Me desculpe, Rubem Alves, pelo plágio do título deste artigo. Mas não me veio outro melhor para condensar todo o espírito de levar conhecimen­to por parte de quem passou trinta anos ensinando e ainda ensina lá pelas bandas do Planalto Central. E lembrar que ensinar é combater a ignorância! E ser inspirado por este pastor da Igreja Presbiteriana é o máximo! Pastor quase excomungado, mas pastor.

Mas o título é apenas uma introdução do que eu quero falar. Quero iniciar hoje uma série de artigos recordando passagens interessantes da minha vida de magistério nas redes pública e particular de ensino. O “interessantes” fica a meu critério, mas já vai aqui o convite para você me seguir nestas histórias, ora alegres e gaiatas, ora turbulentas e quase trágicas, mas sempre apaixonantes.

Tirar alunos e alunas do “espaço seguro e confortável” da escola para levá-los a conhecer o mundo nas denominadas excursões foi e ainda é, quase sempre, uma grande turbulência. Quantas vezes me chamaram de irrespon­sável e louco. Mas saíamos com o passaporte da autorização dos pais, mães e avós. O precioso documento era suficiente para não sermos tão loucos assim.

Lembro-me muito bem de uma dessas loucuras. Deve ter sido em 91 ou 92. Eu lecionava no Cemei João Gilberto Sampaio e no COC. Isso já era uma heresia. Tive, pelo menos, dois colegas que não puderam fazer esta poção mágica. Eu consegui por dez anos, sei lá porquê. Talvez pelas graças de Deus. Tudo começou quando o professor de geografia Herbis Gonçalves, que era do Objetivo, ingressou na rede municipal de ensino e foi dar aulas comigo no João Gilberto. Outro herege. Pude conhecê-lo verdadeiramente no Cemei, pois, antes, só de ouvir falar, pelas suas polêmicas radiofônicas. Era o próprio jornalista Curió. Vocalista e guitarrista, diretor artístico e DJ, editor de áudio, locutor-animador, editor de notícias, repórter e não sei mais o quê, mas principalmente comunicador. Era a sua alma.

Mas agora era o Curió professor. Foi fazer uma licenciatura em geo­grafia na Barão de Mauá e entrou na rede como professor temporário. Nas nossas conversas, ele me confidenciava que queria mudar de vida e, então, ser professor. Para quem gosta de ensinar, na linha de Paulo Freire e Rubem Alves, eu entendia aquele desabafo como alguém que deixou de acreditar em uma porção de outras coisas para acreditar na educação como ferramenta de transformação, sal da terra. Nem queria mais ser chamado de Curió nas escolas, era o professor Herbis.

Pois eu e o professor Herbis logo arranjamos uma excursão à Serra da Canastra com nossos alunos. E já logo fomos cometendo outra heresia. Passamos do limite. Enchemos o ônibus da prefeitura com alunos das redes pública e privada: João Gilberto, Alfeu Gasparini, Objetivo e COC. Foi de propósito. Queríamos sentir na pele como seriam as boas ou as más relações entre alunos das duas redes. No final dessa história, não sabíamos mais quem era de qual rede. Tudo junto e misturado!

A pequena pousada de São Roque de Minas foi fechada por quase 40 hóspedes iluminados. Corremos palmo a palmo a Serra da Canastra, a nas­cente do velho Chico, a Casca D’anta, o curral de pedras, nunca aprenderam tanto história e geografia. E principalmente relações humanas, conhecimento compartilhado. Viver três dias em uma cidadezinha perdida nas montanhas de Minas foi o máximo para aquela molecada. Como eu gostaria de reencon­trar com todos esses aventureitos!

Houve momentos de sufoco, como aquele em que o ônibus do Muniz atolou na estrada de terra no alto da serra, com um dos pneus dentro do buraco. Vi o Muniz chorar. Aquele povo era “de morte”, deve ter pensado em bom minerêz. Mas o mutirão foi rápido e perfeito para sairmos daquela situação. Cheguei à conclusão que éramos, de fato, uns loucos e heréticos.

Acredito que a Serra da Canastra tem um poder de atração para caras meio malucos como os que se metem a educar os outros. O Herbis acabou construindo uma casa por lá. O professor José Luiz Toledo, mineiro das Ge­rais, lá do Tabuleiro do Pomba, quis ser enterrado aos pés da serra. E foi. Este artigo é uma homenagem aos loucos da educação, em especial ao professor Herbis, de saudosa memória.

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