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18 de abril de 2024 | 4:22
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Lá se vão meus anéis

Em 1970, Baden Powell apresentou uma canção estranha a Paulo César Pinheiro, na linha dos afro-sambas, com uma introdução que parecia canto gregoriano. Paulo disse que a música parecia um sermão da Igreja Católica numa missa africana. Baden adorou a ideia e pediu para ele fazer a letra dentro dessa linha. Daí nasceu o samba “Sermão”, que foi inscrito no FIC (Festival Internacional da Canção), interpretado pela cantora Cláudia e foi classificado para as eliminatórias, dando um prêmio aos compositores.

Ao receber o prêmio em espécie, em São Paulo, Paulo saiu com um pacote de dinheiro debaixo do braço e foi rumo ao bar da esquina do Alto Sumaré, ponto de encontro de atores e músicos, para tomar umas e encontrou seu parceiro Eduardo Gudin, que o mostrou um samba bonito para ele colocar letra. Dali, os amigos compositores foram para a casa da cantora Márcia para contar a novidade e mostrar o novo samba que seria composto.

Sílvio Luis, marido de Márcia, abriu uma garrafa de escocês e o porre se estendeu até as quatro e meia da manhã, quando Paulo pediu um táxi para o hotel e capotou na cama. No dia seguinte, mais ou menos uma da tarde, ele acordou e lembrou do dinheiro. Tinha deixado no táxi. Perdeu o dinheiro e não conseguiu encontrá-lo, apesar de oferecer recompensa e ir às rádios para tentar localizar.

Voltando para o Rio com grana emprestada, mas levando a fitinha cassete com o samba de Gudin, e já conformado com a perda do dinheiro, Paulo ficou ouvindo o tema e, de repente, descobriu que a letra estava na sua cara. Era a história da nota preta que foi embora na farra. Vão se os anéis ficam os dedos. Esse era o recado. Paulo fez a letra e passou os versos pro Gudin por telefone, como ele fazia sempre com seus parceiros.

Gudin riu muito e adorou. Assim nasceu o samba “Lá se vão meus anéis”: “Lá se vão meus anéis”, diz o refrão. “Mas meus dedos são dez, duas mãos. E a mulher que tu és, oh! Não. Isso não são papéis, não são. Não merece meus réis de pão. Mete os pés pelas mãos. Todos sabem que o meu coração é uma casa aberta, não sei porque, portas e janelas dão pra você, dão, deram e darão. É porque a chave do meu coração somente o teu coração pode abrir. E lá se vai meu coração por aí, mas não perdoa não (E lá se vão meus anéis). Lá se vão meus anéis, outros virão nas primeiras marés encho as mãos, mas me pôr a teus pés, oh! Não. Nem que fosse o que resta então. Nem que virem cruéis os bons e infiéis os cristãos”.

No ano seguinte, 1971, outro festival universitário, o IV Universitário de São Paulo, Gudin inscreveu a música que foi defendida pelos Originais do Samba. Resultado: venceram e o prêmio era o mesmo do pacote perdido, com centavos e tudo. Como disse Paulo César Pinheiro: “O que o samba levou numa noite de boemia, generosamente me trouxe de volta”.
Salve Paulo César Pinheiro.

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