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29 de março de 2024 | 11:04
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Leopoldo Lima, o artista

Atendendo a uma sugestão do nosso leitor, meu amigo e médico vas­cular doutor Romeu Alioti, escrevo hoje sobre um grande artista plástico que nossa cidade abrigou: Leopoldo Lima. No tempo em que eu estudava no Colégio Estadual Eugenia Vilhena de Moraes, um professor comentava sempre sobre o artista plástico Leopoldo Lima, que expunha suas obras na Praça XV, bem ali, onde a rua Tibiriçá encontra o calçadão.

Certa vez, falou que Leopoldo havia escrito um livro que não tinha vírgulas nem pontos, apenas o começo e o ponto final. Disse também que, no primeiro quarteirão da rua General Osório, o artista tinha um pequeno comércio, era apenas uma portinha, onde produzia trabalhos de pirografia sob encomenda.

Violão com pirografia do Bueno Cantor – Arquivo Pessoal

Na época, eu tinha um conjunto musical, The Jetsons, e meu negócio era tocar guitarra e cantar tudo dos anos 60. Não sentia curiosidade pela arte do Leopoldo até que, uma tarde passando pela Praça XV, dei de cara com tudo que meu mestre comentava. Sob deliciosa sombra, enormes varais de arames esticados nos galhos, parte da obra do artista estava ali, pendurada. Levei um tranco, fiquei nem sei quanto tempo admirando quadro por quadro, com Leopoldo de cócoras fumando seu cigarro e de olho em tudo.

Por timidez ou por outra coisa que não sei explicar, não me aproximei, mas passei a ser dele mais um fã de carteirinha. Vida que segue, final dos anos 60, os Beatles terminaram e com eles conjuntos do mundo todo deci­diram parar e com eles o meu adorado The Jetsons foi no pacote.

Meu velho violão, companheiro de tantas histórias, estava precisando de uma reforma, lixei-o todinho e quando ia en­vernizá-lo, me veio uma luz: pedir para Leopoldo Lima desenhar algo em seu bojo. Eu, no auge dos meus 22 anos e com toda a timidez do mun­do, bati em sua casa, na rua André Rebouças.

Ele, muito atencioso, disse: “Olha, garoto, eu só desenho se você prometer que não vai vendê-lo. No no ato fiz a promessa. Ele me convidou para entrar, seu ateliê era simples como ele. As paredes da casa todas reves­tidas com jornais, suas crianças corriam pela casa toda, tinha uma escada feita por ele de galhos de árvores que levava a cumeeira.

Nada me estranhou, pois estava na casa de um grande artista. Tive o privilégio de vê-lo colocar sua arte no meu pinho ao vivo, uma paisagem linda. Despedi-me e já na calçada ele disse: “Volte aqui garoto”. Entramos na casa, ele ligou nova­mente o pirógrafo e escreveu uma frase maravilhosa acima do encordoamen­to: “Pensamos melhor que os animais, no entanto agimos pior que eles”.

Faz alguns anos, eu cantava num bar quando me apresentaram seu filho, que herdou o nome do pai, Leopoldo Lima Filho. Foi um bom papo e ele ria muito contando histórias da família. Disse que seu pai não vendia suas obras. Quando a coisa apertava, sua mãe vendia seus quadros escon­dido e quando o pai descobria, chorava muito.

Outra história, agora já morando na rua Capitão Salomão. Sua mãe tirou carta e comprou um carro. O pai, avesso a carros, plantou uma árvore na entrada da garagem. O possante ficou de fora (rsrs). Disse que seu pai não colocou nome em dois filhos e sim apelidos, deixando pra eles escolherem seus nomes quando crescessem.

Já em idade escolar, foram ao cartório. No caminho, o menor pergun­tou ao mais velho o nome que escolheu. O mano disse que decidiria na hora. O menor, na inocência, falou: “Vou me chamar Marcelo”. O cartorá­rio perguntou os nomes e o mais velho, esperto, disse: “Marcelo”. O menor, meio que sem jeito, escolheu ser Fernando. Leopoldo filho contou muito mais, mas fica pra outro dia. Hoje, 51 anos depois, repousa na minha sala uma obra de Leopoldo Lima, estampada no bojo do meu violão.

Sexta conto mais.

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