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29 de março de 2024 | 3:48
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Nós iremos de bicicleta

Imaginem uma grande cidade. Uma cidade populosa, adensada em edificações, com grande oferta de serviços e um forte comércio de atração regional. Uma cidade desprovida de um bom sistema de transporte público cuja população é estimulada a se deslocar o tempo todo por automóveis. Um lugar onde obras e reformas viárias sempre são prioridade em relação a outro tipo de infraestrutura. Na maioria desses veículos vão apenas seus motoristas. Esses condutores acordam mais cedo para percorrer, no conforto do ar-condicionado, logo pela manhãzinha, as ruas saturadas e os cruzamen­tos carregados. Embevecidos em quatro rodas e iludidos com seus motores, seguem amortecidos os habitantes dessa cidade.

Difícil encontrar um estacionamento comum ao lado das calçadas… Nes­ta cidade o barulho é incessante. Com o advento das entregas a domicílio por motocicletas, o ruído aumentou e se prolonga noite adentro. Não se conhece um único escapamento silencioso desses veículos nessa cidade. Aliás, são muito comuns as fortes acelerações e os estrondos provenientes de toda sorte de motores nas madrugadas.

A poluição atmosférica das emissões veiculares acentua-se nos períodos de estiagem. Assim, nessa cidade, a prevalência de doenças respiratórias é grande e possui curva ascendente de mortes por problemas cardiorrespiratórios.

Pedestres fazem seus percursos sob um sol causticante. Calçadas estrei­tas, guias rebaixadas em longos trechos e ausência de sombra, penalizam o cidadão comum que opta por ir a pé. Uma fração mínima dos habitantes resolve ir de bicicleta, mas se deparam com muita insegurança e dificuldades para transpor o tráfego.

É uma cidade apressada e muitos se orgulham dessa correria. Acreditam que seja sinônimo de desenvolvimento. Os ciclistas regulares se cansaram e acabaram optando por pedalar ocasionalmente. Passaram a usar suas magrelas apenas aos domingos no período da manhã numa única ciclofaixa. Alguns ainda passeiam pelas ruas durante a noite e tornam a cidade mais viva.
Mas como essa cidade não existe e ela é apenas uma imaginação da minha cachola, vou falar de uma cidade que realmente existe. A cidade onde eu moro.

Na cidade real há uma política clara que desestimula e inibe o uso de automóveis. A partir de reformas urbanas planejadas, minha cidade passou a contar com lugares que priorizam o corpo em movimento o que propor­cionou uma coesão social e intergeracional. Há planejadores e projetistas competentes, gestores públicos sensíveis e bem assessorados. Eles definiram uma cota justa de recursos para que essa política fosse colocada em prática.

E não é que a cidade passou a ser mais atrativa com a diversificação de modais para a mobilidade ativa? Jovens profissionais optaram por vir morar, trabalhar e aproveitar a vida por aqui.

Outra consequência positiva é que a cidade se tornou mais calma. A ve­locidade dos veículos em circulação diminuiu para no máximo 40 km/h nas avenidas e 30 km/h nas ruas comuns. Durante a pandemia da covid-19, por exemplo, os leitos de UTI estavam praticamente vazios para acolher os casos graves, pois os acidentes de trânsito com vítimas graves são raros. Aliás, deslocar-se na minha cidade tornou-se algo agradável e saudável.

Vocês acreditam que o espaço destinado aos ciclistas ganhou sombre­amento com espaços reservados a grandes árvores? Sim! Pistas largas para pedalar passaram a encorajar idosos, famílias, grupos de amigos e ciclistas ocasionais a se deslocarem até seu trabalho e até seus destinos de lazer. E tem mais, como a bicicleta é um bem mais acessível financeiramente, tanto na aquisição como na manutenção, muitos abriram mão em possuir automóveis.

Para que isso acontecesse foi preciso fazer opções claras e corajosas. E elas foram feitas, pois os gestores públicos sempre tiveram compromisso apenas com o interesse coletivo. Eu tenho pedalado e andado muito feliz pela minha cidade. Descobri que mais importante que a velocidade, é o rumo.

No próximo dia 22 de setembro – Dia Mundial sem Carro – nós vamos comemorar os resultados benéficos dessa política que foi definida a muito anos atrás. E nós iremos até a festa de bicicleta.

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