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19 de abril de 2024 | 8:03
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O direito é horizontal

A população carcerária no Brasil é de cerca de 800 mil pessoas. Trata-se da terceira maior do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. São situações passíveis de comparação apenas do ponto de vista quantitativo, uma vez que os sistemas jurídicos e prisional são completamente diferentes.

O que chama a atenção no Brasil, sobretudo, é que muitos estão en­carcerados por que o sistema jurídico falhou. Paradoxalmente, há muita gente que não cumpre pena justamente por que o sistema jurídico, em todas as suas nuances, funcionou. Trata-se do abismo que separa aqueles que sobrevivem muitos anos apoiados em recursos jurídicos daqueles que cumprem as penalidades impostas sem qualquer chance de recorrer aos dispositivos legais, sequer ao direito da presunção de inocência.

Existem casos famosos. O político Paulo Maluf, por exemplo, chegou aos quase 90 anos de idade cumprindo mandatos parlamentares, disputan­do eleições, gozando do foro privilegiado que a lei lhe garantiu como direito mesmo quando a Interpol o classificou como procurado no exterior. Foi preso recentemente, mas garantiu com celeridade que a prisão fosse conver­tida em domiciliar em razão da saúde precária e a idade elevada.

Em Ribeirão Preto são notórios os casos de Pablo Russel Rocha, que há 20 anos alega inocência no fato que vitimou uma garota de programa em 1998. Duas décadas depois, foi expedido mandado de prisão. Mas, ainda que o processo tenha tramitado em diferentes instâncias, cabe recurso.

Um ano antes desse fato, o empresário Marcelo Cury foi acusado de matar e ferir pessoas que estavam em uma choperia na avenida Presidente Vargas. No início deste ano, transcorridos 21 anos, a justiça imputou a pena de nove anos para um dos crimes e considerou outros dois prescritos.

Antes desses dois fatos notórios da crônica policial, em 1995, um homem desempregado, e certamente desequilibrado emocionalmente, foi preso em flagrante por vilipendiar o corpo de uma empregada doméstica que havia sido enterrada horas antes. Na época, ele confessou o crime e disse coisas desconexas aos policiais.

Chama a atenção que em uma rápida pesquisa na internet, obtive­mos detalhes jurídicos sobre os dois primeiros casos contados aqui, com os nomes dos colegas que atuam na defesa dos acusados e as estratégias adotadas. Do último caso, não há informação. Mal se sabe se o homem sobreviveu àquela época.

Em todos os casos, os réus confessaram, ainda que justificando legítima defesa ou ignorância do fato. Mas, em apenas um deles os mecanismos do sistema jurídico brasileiro podem não ter sido aces­sados em toda a sua complexidade.

Do aprimoramento do sistema jurídico brasileiro depende sua credi­bilidade. O grande avanço conquistado com a admissibilidade da prisão em segunda instância, aprovada e executada no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não pode ser revogada e sequer contemporiza­da casuisticamente.

O fato é que às instâncias superiores, como o Supremo Tribunal Federal, não cabe analisar e julgar casos menores, sob pena de criarem jurisprudências de caráter artificioso, ou que atenda interesses específicos.

Uma delas já provocou aberração: à esposa de um político, presa sob a acusação de corrupção, foi concedido o direito de prisão domiciliar pelo fato de ela ter filhos menores de 12 anos. Este mesmo dispositivo colocou em regime domiciliar uma jovem condenada por matar a mãe em Santa Rosa de Viterbo no início deste ano. Ela foi presa novamente.

O direito do cidadão deve ser horizontal, independentemente da condição social ou cultural. Os poderes constituídos, no executivo, legislativo e judiciário, têm de garantir a horizontalidade das deci­sões e aplicações da lei. O aprimoramento das instituições depende do cidadão, que exerce seu direito. A sociedade ideal, de direitos iguais, está distante. Mas, é sempre importante lembrarmos que ela é necessária e que nós devemos perseguir este ideal.

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