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19 de abril de 2024 | 19:21
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O Guia Michelin universitário e caboclo

O Guia Michelin é publicado desde 1900. Foi criado pelo industrial italiano André Michelin sendo, desde então, referência de bons hotéis e restaurantes no mundo. Ganhar uma estrela no Guia é motivo de euforia para os “chefs de cousine”. Somente catorze restaurantes brasileiros têm seu nome estampado no guia e mesmo assim com uma estrela.

Nenhum restaurante de Ribeirão Preto está inserido no Guia, mas, há alguns anos, o Dr. Geraldo Costa e Silva, formado em 1967 pela nossa Faculdade de Medicina-USP e competente pediatra em Araçatuba, publicou crônica intitulada “Roteiro de comes e bebes, do sabor e do prazer da Ribeirão Preto dos anos 60”. O nosso guia Michelin! Bom garfo, o Pratinha como era chamado, descreve o cardápio que nós estudantes tínhamos na cidade.

Revisei recentemente com muita atenção sua crônica e resolvi atualizar o “Guia Pratinha” depois de 55 anos.
As pensões que serviam também de local não só para pouso, mas também para as refeições no dia a dia já não existem mais. Procurei pelo Licurgo, João Passa Fome, Mané Perigoso, Dona Júlia e não consegui encontrar. Por ser ribei­rão-pretano, e na época fazendo minhas refeições “na pensão da Dna. Wilma”,
minha mãe, não era habitué dessas pensões, mas consultei alguns “pensionistas” de então, que me relataram a localização desses centros de repouso e gastronômi­cos. Não os encontrei. Houve mudança na forma de viver dos universitários na cidade. Hoje existem inúmeros prédios próximos das universidades para esse fim. Os universitários não vivem mais em pensões, vivem em kitnets.

Os universitários de hoje (e porque não, os “não universitários”) se alimentam de lanches com invariável frequência. Então vamos procurar às sugestões do Dr. Geraldo: o Joá, primeira lanchonete de Ribeirão Preto, na Barão, em frente ao antigo terminal de ônibus, não existe há tempos e, muito menos o terminal de ônibus. Aliás, as outras referências da localização do Joá eram o Cine Centenário e a Câmara Municipal. O Cine Centenário virou supermercado e está desocupado (efeito da pandemia) e a Câmara Municipal mudou-se. Também desapareceu o Urubatan, localizado na Álvares Cabral, onde comíamos o maravilhoso sanduíche de pernil em pão francês. Porque não, um pastel no “Ao Carioca” ou na “Pastelaria Chinesa”. O “Ao Carioca” mudou bastante e as pastelarias, hoje se chamam de salgaderias e existem “às pampas” no centro da cidade. Quase quatro em cada esquina.

Das churrascarias recomendadas permanecem firmes e fortes a Gaúcha (somente mudou de endereço) e a 605, embora não mais na Amador Bueno 605. Desapareceram a Camponesa e a Varanda. Hoje, caro Pratinha, você teria que abrir no seu Guia uma seção especial somente de churrascarias rodízio local onde se ingere em media 600 gramas de carne por refeição.

Os botecos e bares, capítulo especial do seu Guia, merecem atenção à parte. São somente saudades a “Caneca de Prata”, e suas carnes exóticas, que provavelmente hoje seriam motivo de protestos e talvez até alguma manifesta­ção de ecologistas com faixas até com “carro de som”. O “Bar de Meu Irmão” (sou filho único) e os “Três Garçons” também não existem mais. O “LP” virou “Pinguim” e o “Pinguim” virou loja de tênis. Não encontramos nos bares o som como ouvíamos no “Pinguim”.

O piano do Dirceu, que emoldurava nosso papo e nosso chope, se calou e a música-ambiente, quando existe impede que os comensais conversem porque um não ouve o que o outro fala. A “Jangada” e a “Cantina Cairo” também ficaram na lembrança. Das pizzarias recomendadas, a minha favorita era a Jussara. Fui conferir como ela se encontrava e encontrei na porta do estabelecimento um aviso: “Aluga-se”. Ela se situava perto da Santa Casa, onde, nas folgas do plantão de obstetrícia podíamos comer uma pizza deliciosa que era feita por um pizzaiolo surdo-mudo visível em seu aquário, onde preparava a massa da deliciosa.

O “Restaurante do Bosque” e seu famoso conjunto “A Lenha do Bosque”, tam­bém não existem mais. O piano do Viviane se calou e o famoso “Camarão a Gre­ga” que segundo a propaganda nas rádios locais tinha sido elogiado pelo primeiro ministro grego Papandréu em sua visita à cidade, também ficam na lembrança e na saudade. Conservo ainda um CD com o Viviane ao piano e seus acordes ma­ravilhosos. Os Centros Acadêmicos, onde também tínhamos lanchonetes, além de uma forte e escondida atividade política nos “anos de chumbo”, também assim não funcionam mais. O nosso, o Rocha Lima, cujo bar era “tocado” no início dos 60 pelo Seu Leone e depois pelo Alfredo, (saudoso Alfredo) mudou-se para o campus, e tem hoje outro perfil. As famosas “brincadeiras” ao sábado ou domingo abrilhantadas pelo conjunto New Boys, do Wagner (hoje famoso cirurgião vascu­lar na cidade), fazem parte de nossa memória. O bar e a lanchonete da Filô, perto do Colégio Auxiliadora, tiveram o mesmo destino.

Capítulo a parte do seu guia Pratinha, são as boates “Mon Chateau” e “Xaleco”. O primeiro do Zito Fraga e a segunda do Bruno. A palavra boate creio ser extinta da língua portuguesa. Ia-me esquecendo do “Juca’s Bar”, atrás do Hospital das Clínicas, hoje Unidade de Emergência, e que ilustra como capa um de seus livros. Virou estacionamento!

Bem, penso que seu Guia gastronômico foi em parte atualizado, mas tenho certeza também que esse saudosismo todo se justifica porque esses bares, lancho­netes, restaurantes, tinham um sabor muito especial: o sabor da juventude.

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