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16 de abril de 2024 | 5:46
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O Paraguai e sua Literatura: GABRIEL CASACCIA (3)

Um dos escritores mais importantes do Paraguai nos últimos quarenta anos, Gabriel Casaccia, pseudônimo usado por Benigno Casaccia Bibolini, é autor de extensa produção literária. Esta inclui cinco romances (Hombres, mujeres y fantoches, Mario Pareda, La babosa, La llaga e Los exiliados), dois livros de contos (El guahjú e El pozo) e uma peça de teatro (El bandolero). Em todos eles, a interpretação de Casaccia sobre o Paraguai, especialmente de seu aspecto social e político.

O primeiro romance de Casaccia, “Hombres, mujeres y fantoches”, foi publicado em Buenos Aires em 1930. Trata do conflito vivido pelo jovem personagem Jorge Lazarra, inseguro entre um amor virtuoso e outro, dissoluto. A opção por este último levando-o à devassidão e encontro com a morte. Tendo como cenário o Paraguai do final da década de 1920, nele, através de três pontos de vista principais, são retratadas a prosperidade e a facilidade de vida que precederam a Guerra do Chaco. O primeiro dos mesmos é o de Jorge, preocupado em defender, patrioticamente, os valores tradicionais, simples e virtuosos do paraguaio campesino. O segundo? Em episódio abordando um passeio de trem pelo campo, um estudante, amigo de Jorge, observa que o Paraguai, por conta da Igreja e dos governos reacionários, ficou atado ao retrocesso do desenvolvimento político e cultural de então. Trata-se, então, da tomada de posição crítica autoral em relação ao país, compensada, muitas vezes, pelo entusiasmo manifesto dos personagens acerca de outras qualidades positivas e pitorescas daquela terra. O terceiro? A caracterização do pai das noiva de Jorge como sendo um político burguês corrupto, peça de engrenagem do governo ineficiente de então.

O segundo romance de Casaccia, “Mario Pareda”, surgiu em 1939, mostrando grande influência de duas obras da literatura universal, a saber, o romance “Os sofrimentos do jovem Werther”, do escritor alemão Goethe (1774), e o romance “O Imoralista”, do escritor francês André Gide (1902), que tratam, respectivamente, de car­tas de Werther ao narrador falando de seu amor proibido por uma mulher casada, e da descoberta da homos­sexualidade pelo personagem Michel, após se recuperar de doença grave, condição, aquela, que lhe revela nova perspectiva sobre o mundo, a natureza e a sociedade. Em “Mario Pareda”, Casaccia trabalha uma narrativa psi­cológica sobre um jovem que, após sua desilusão com o comunismo, sai em busca do sentido da própria vida. Apresentando-se ora como diário, ora como cartas, o enredo desenvolve-se em um resort de San Bernardino, às margens do Lago Ypacara.
Entretando, a desilusão pessoal do protagonista é subterfúgio para Casaccia se referir à turbulência política mundial do final dos anos 1930, particularmente à luta no Paraguai após a Guerra do Chaco. Vale lembrar que os nove anos que separam “Hombres, mujeres y fantoches” e “Mario Pareda” foram alguns dos mais agonizantes e trágicos anos da História do Paraguai.

Em 1952, Casaccia publicou “La babosa”, sobre o qual tratamos no texto anterior. Em 1964, Casaccia publicou sua quarta novela, “La llaga” (A ferida, em português), focada numa abortada conspiração que visava derrubar o regime ditatorial do General Raimundo Alsina. Nela, Gilberto Torres, jovem instrutor de Artes, ajuda o líder insurgente, o destituído coronel Balbuena, em sua casa em Arégua. Porém, descoberto pela polícia, Balbuena foge e Torres, capturado, é torturado até confessar tudo o que sabe da tentativa de revolução. Sua amante, então, fazendo contato com os revolucionários, consegue libertá-lo e enviá-lo, como exilado, para a Argentina. Chama atenção a relação entre a amante e o próprio filho, na qual este, atormentado pela promis­cuidade dela, bem como, por sua suspeita dela tentar levar o pai ao suicídio e pela denúncia que fizera de seu amante, Torres, por vingança, por remorso, comete suicídio. Casaccia, utilizando a descrição psicológica desses personagens em “La llaga”, mostra como a quebra de caráter torna possível e condiciona os acontecimentos. No caso, esta quebra simboliza o estado de atraso do país, bem como, o quanto, em momentos de tortura como os sofridos por Torres, o ser humano percebe que precisa desesperadamente da ajuda do outro, que lhe cuida. Em outras palavras, na dureza de um mundo miserável, o valor do verdadeiro afeto humano. Na compreensão ingê­nua da política, o homem comum vendo-se à deriva na vida. Por adição, a descrição de como funciona o estado policial de então, com sua brutalidade cínica, e de políticos sem intenção de melhorar o governo e a sociedade sob sua guarda descortinam a imensa degeneração social e política da ocasião.

Finalmente, em “Los exiliados”(1966), Casaccia trata dos exilados paraguaios que fugiram de gover­nos tirânicos ou foram aniquilados por eles. Em Posadas, Argentina, do outro lado do rio da Encarnação, dois personagens principais do romance anterior, a saber, Gilberto Torres e Constancia Cantero, vêm diretamente de “La llaga” para mostrar ao leitor com quem compartilham seu caráter fraco e sua nature­za humana miserável. Convivem com outras figuras, como, por exemplo, assassinos mais brutais e cruéis que os inimigos que eles eliminam e políticos idealistas sem compaixão pelos pobres que os procuram, entre outros. O ambiente? Uma terra perdida no fim do mundo, repleta de moscas, baratas e calor e poeira sufocantes. Entretanto, em comparação com a experiência desmoralizante de ser um exilado político, esse ambiente opressivo de vida no Paraguai ainda soa como um paraíso para os despachados. Cassacia também mostra, na obra, como, em vez do vínculo de uma causa comum, os exilados se auto­-iludem e desconfiam uns dos outros. E como os paraguaios, no exílio ou não, são sempre sonhadores impossíveis. Gilberto Torres sonha em ser um pintor famoso, apesar de nenhum talento. Outros, sonham com uma invasão que derrube a ditadura, mas sem planejamento eficaz para efeito duradouro. Para todos, enfim, a “casa temporária” se tornou permanente, embora eles não o reconheçam. E a ditadura continuará por um longo tempo, ainda que não o aceitem.

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