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29 de março de 2024 | 5:02
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Cultura

O Pintor do Povo chega ao Google

O trabalho do Projeto Por­tinari com a obra do pintor paulista completa 40 anos em 2019. Há alguns dias, o proje­to, fundado pelo filho de Por­tinari, João Candido, anunciou uma parceria com a platafor­ma Google Arts & Culture que coloca à disposição do público cerca de cinco mil obras e 15 mil documentos do artista.

As obras já estavam no ca­tálogo raisonée de Portinari, cuja versão impressa foi lan­çada em 2004, e no site do projeto (portinari.org.br), mas agora ganham novos tra­tamentos (como 20 “exposi­ções virtuais” com curadoria da entidade) e ferramentas do Google: a “ArtCamera”, câme­ra que consegue registrar em gigapixel (mais de um bilhão de pixels) e o Street View – fil­magem que mostra em 360º a Casa de Portinari, museu do artista em Brodowski.

Outra novidade envolvendo o pintor é uma rara exposição dos seus famosos painéis Guerra e Paz, em fase final de negocia­ção, prevista para o final de 2020, no Palácio Real de Milão. Sobre o site. Segundo João Candido, 95% das obras do pai estão em coleções particulares e uma das missões do seu projeto – criado na área científica da PUC-Rio – era ampliar o acesso.

“Quando se pensa na obra dele, não se vê apenas linhas, co­res e formas, não é apenas estéti­co, há ali uma mensagem pode­rosa, e cada vez mais, no mundo convulsionado pela violência global”, diz. “Então nossa missão era entregar uma carta, que ele escreve não só para o Brasil, mas para a humanidade”, completa.

Foram duas décadas de pesquisa, catalogação, regis­tros e negociação, até o lança­mento do portal, que perma­nece no ar, mas agora ganha um “primo” com a nova parce­ria. “Uma das coisas que fez o Google entrar em contato foi a nossa base de dados”, conta João Candido. “Disseram que ela está estruturada de uma forma que nunca viram em ne­nhum outro lugar”, orgulha-se.

Embora João Candido in­forme que todos os dados foram compartilhados com o Google, alguns cruzamentos de infor­mações disponíveis no portal do Projeto Portinari não aparecem na nova plataforma, como do­cumentos do pintor relaciona­dos diretamente a determinadas obras. Professores e críticos ou­vidos pelo Estado aprovaram, de maneira geral, a iniciativa, mas sublinharam a necessidade de ela ocorrer também com outros pintores brasileiros.

O professor e crítico Ag­naldo Farias (FAU-USP) co­memora o fácil acesso às obras de Portinari. “Eu dou aulas, preciso de imagens. Consigo dar aulas sobre qualquer artis­ta estrangeiro, e muitas vezes não consigo com artistas bra­sileiros. É uma medida neces­sária, importante, nos auxilia imensamente e dá visibilidade à obra do artista”, afirma.

Denise Mattar, curadora experiente e ex-diretora do MAM-SP e do MAM-RJ, con­corda que nada substitui ver as obras pessoalmente, mas em termos de pesquisa, quanto mais e melhores informações, melhor. “Se o mentor é o Proje­to Portinari, existe uma confia­bilidade de conteúdo”, afirma. “O maior problema da internet é que as pessoas podem botar qualquer informação, e pode ser equivocada. Quando é con­fiável, está embasada por uma pesquisa de anos, todo mundo só tem a ganhar.”

O crítico de arte e pro­fessor Rodrigo Naves, po­rém, afirma não ter gostado de sua primeira experiência com a nova plataforma. “Eu achei, na verdade, um site muito pouco amistoso, com umas ferramentas barrocas, de ‘aumenta aqui, puxa para lá’, é muito pouco didático”. Ele se incomodou também com o título do novo espaço virtual: “Portinari: Pintor do Povo”.

“É populista. Quem disse que ele é o pintor do povo? Por que ele, e não o Volpi? O Projeto Portinari parece exemplar no sentido de ser correto, não cobrar direitos, ter feito um ca­tálogo bem feito, mas esse título é pura ideologia. Só porque ele pintou retirantes e foi comunista? O que Ma­ria ganha com isso? É puro preconceito, mantém uma concepção estreita dele. Não gosto muito da obra, acho de segunda linha, mas seja como for, seus méritos não dizem respeito a ter pintado pobres. Ele fez muito retra­tos de madame também.”

O também crítico e pro­fessor de história da arte, Tiago Mesquita, destaca o site sobre o pintor Elizeu Visconti, ítalo-brasileiro que fez carreira no início do século 20, como um modelo a ser se­guido por outras iniciativas do tipo no Brasil “Se o site ajudar a entender contextos, relações, mostrar desenhos preparató­rios, estudos, as iniciativas assim podem ser maravilhosas”, co­menta. A iniciativa do Projeto Portinari e do Google Arts & Culture tem ainda outros cin­co parceiros: Pinacoteca de São Paulo, Museu Nacional de Belas Artes, Fundação Ema Klabin, Museu de Arte de São Paulo (Masp) e Museus Castro Maya.


Candido Portinari e o museu em Brodowski
Filho de imigrantes italianos nascido em Brodowski, em 30 de dezembro de 1903, Candido Portinari manifestou sua vocação artística desde criança. Ao longo de sua carreira, pintou mais de cinco mil obras, entre elas os painéis “Guerra e Paz”, oferecidos pelo governo brasileiro à sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, Estados Unidos.

Morreu em 6 de fevereiro de 1962, aos 58 anos, vítima de intoxicação pelas tintas que utilizava. Criou desde pequenos esboços até grandes obras, murais e painéis. O artista foi o pintor brasileiro que conseguiu maior projeção internacional devido ao seu talento artístico e sua atuação no cenário cultural e político do Brasil.

O museu
Antiga residência de Candido Portinari, em Bro­dowski, o Museu Casa de Portinari representa a forte ligação do artista com sua terra natal, origens e laços familiares. É o local onde ele realizou suas experiências com pinturas murais e se aprofundou na técnica ao passar dos anos. Devido às várias obras em pintura mural nas paredes da casa e em uma capela nos jardins da residência, a preservação do conjunto tornou-se imprescindível.

O primeiro passo ocorreu em 9 de dezembro de 1968, quando a casa foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No ano seguinte, o imóvel foi desapropriado e adqui­rido pelo governo de São Paulo e, em 22 de janeiro de 1970, foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patri­mônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).

Com esforços da família do artista, do município e do Estado, o museu foi instalado e inaugurado em 14 de março de 1970. O complexo é constituído por uma casa principal, e anexos construídos em sucessivas ampliações. A simplicidade típica do interior é a maior característica do museu.

O acervo artístico do Museu Casa de Portinari cons­titui-se, principalmente, de trabalhos realizados pelo artista em pintura mural, nas técnicas de afresco e têmpera, nas paredes da casa. A temática é predo­minantemente sacra, exceto as primeiras experiências do artista neste gênero. O acervo também contempla uma coleção de desenhos, linguagem expressiva e significativa na produção de Candido Portinari, presente em todos os momentos de sua carreira.

FOTOS: RUBENS GUERRA

O museu ainda abriga objetos de uso pessoal, mobiliário e utensílios da família, sendo que alguns cômodos permanecem com suas funções originais e outros foram adaptados para salas de exposições.

Capela da Nonna
Candido Portinari mandou construir, em 1940, uma capela ao lado da casa da avó Pelegrina, que por conta da idade e problemas de saúde não conseguia se loco­mover até a igreja para orar. Nas paredes estão os santos prediletos da avó, retrata­dos pelo artista com a fisionomia de amigos e parentes. A obra terminou em 1941. A Capela da Nonna é um dos principais espaços do Museu Casa de Portinari

No espaço estão São Francisco de Assis, Santa Luzia, São Pedro, São João Batista, a Sagrada Família, entre outras figuras sacras admiradas pela família. As imagens dos santos têm as formas de parentes e amigos de Portinari, uma tradição presente na pintura do século XV retomada pelo pintor, principalmente entre artistas flamengos e italianos.

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