Houve um tempo em que o Natal era uma festa e tanto. Semanas antes da data, familiares distantes começavam a chegar e a festa já se anunciava. Parentes e amigos reuniam-se em torno da grande mesa da cozinha e juntos preparavam os quitutes. As carnes ficavam por conta dos homens, as massas e os doces eram território feminino.
A mulherada se esmerava em sovar pães e bolos que depois recheavam de frutas e assavam em grandes fornos de barro. O macarrão era esticado sobre a mesa em meio a nuvens de farinha e meticulosamente cortado, de acordo com o gosto do freguês. Os capeletti, por exemplo, eram dobrados um a um por todos os membros da família. Depois secavam até o ponto de ir para a panela.
Ria-se muito, discutia-se alto, política, religião, bobagens. Das despensas fartas saíam latões de azeite estrangeiro, tâmaras importadas, presuntos perfumados, queijos imensos.
Os amigos circulavam em meio à confusão, iam e vinham sem se anunciar, já que as portas, nesse tempo, permaneciam abertas. A árvore de Natal reluzia imensa, com bolas e enfeites de todo tipo e tamanho, armada num ritual conhecido e prazeroso. Sob seus galhos, um menino Jesus de imensos olhos de vidro repousava no presépio, sem ser contestado. Nesse tempo, ninguém punha em dúvida sua divindade.
No quintal, o peru gordo e doméstico aguardava inocente a morte de véspera – ritual acompanhado pela risada histérica e curiosa das crianças, para quem o espetáculo de facão e sangue se misturava às fantasias dos livros de história.
Frio na barriga só de pensar no presente. Apenas um, aguardado durante o ano todo. O carrinho, a boneca, a bicicleta, o jogo. Apenas um – desejado, esperado, merecido – presente, cuidadosamente embalado e trazido por Papai-Noel durante a noite, em que os sonhos pareciam saltar para a vida real.
Na véspera, todos se arrumavam com roupa de domingo e iam à missa do Galo. Igreja cheia, luz e cantoria. Coração aos pulos de tanta excitação. Depois, a grande mesa da sala de jantar, a toalha de linho engomada, a louça retirada do armário para a ocasião, as enormes travessas enfeitadas. Alguém sempre fazia um discurso ou puxava uma Ave-Maria, um Pai- Nosso.
Os homens bebiam e riam alto. As mulheres fingiam uma muda reprovação, mas acabavam rindo também. E as crianças eram apenas crianças, protegidas do mundo lá fora, preservadas em seu encantamento inocente e crédulo. As crianças deitavam-se cedo, aguardando o dia seguinte. E no final, invariavelmente, cantava-se muito e todos se abraçavam com vigor e afeto.
O Natal, nesse tempo, era mágico. Assim como eram mágicos o circo, a matinê de domingo, a Páscoa, os aniversários. Talvez porque os tempos fossem mais doces, talvez porque a vida fosse mais simples, talvez porque eu fosse criança.
O Natal mudou ou fui eu?