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20 de abril de 2024 | 10:20
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Presidente não é servidor?

O nosso presidente da República declarou não incidir sobre ele o tipo penal chamado prevaricação, porque ele não é servidor publico. Há quem encontre aí a raiz de seu desgoverno. Não nasceu para servir, servidor não o é. Entretanto, essa declaração interessa tão só do ponto de vista jurídico. Debate-se a questão para se saber do conceito de servidor e o de agente político, em nosso sistema jurídico.

O Código Penal, no capítulo “Crimes contra a Administração Pública”, define o crime de prevaricação como: retardar ou deixar de praticar indevidamente ato de oficio ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Sua aplicação incidia, na vigência da Constituição anterior, sobre o sujeito passivo denominado de funcionário. No entanto, a Constituição atual alterou essa designação para servidor.

Por sua vez, a Lei de Improbidade Administrativa (nº 8429/92) conceitua agente público como “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remune­ração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função …” O grifo é um destaque para o texto, e o artigo 1º menciona que atos praticados por servidores ou não”.

Há conceito que pode encerrar uma força expansiva, para se adequar às novas realidades. Entretanto, o fundamental, primeiro, é ter a consciência da unidade da ordem jurídica, sempre unívoca, cuja fonte é a soberania do povo. Princípios a presidem, e que são reproduzidos na legislação infraconstitucional, por todas as leis, decretos, resoluções, etc.

Assim, são vencidos os limites de cada vertente do direito, em busca de uma disciplina unificadora de responsabilidade máxima e rápida, especialmente em relação à gestão político-jurídico-social do país, como é o caso do presidente da República, classificado por uns como “servidor máximo”, mesmo que ele ache que servidor ele não o seja.

O presidente da República teria prevaricado não tomando nenhuma provi­dencia, quando lhe foi denunciado à existência de corrupção no Ministério da Saúde, tendo ele, simplesmente, se referido ao nome do seu líder na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros, como sendo arte dele?

Os atos publicamente conhecidos, agora, retroativamente dão credibilidade e certeza à qualquer prova anteriormente considerada como duvidosa. Afinal, nesse contexto apodrecido de moral pública, a conclusão pelo atraso da compra de vaci­nas só se justifica, por estarem esperando a transferência do dinheiro da propina.

Com isso cai por terra a justificativa presidencial de que não poderia com­prá-las porque o laboratório fabricante apresentava cláusula contratual abusiva, ou porque não havia vacina aprovada pela Anvisa. Igual a justificativa para o protelado ingresso do Brasil no Consórcio Internacional de vacinas, o Covax Facility, iniciativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de outras entidades, que pretendem garantir produção mínima de cerca de 2 bilhões de doses de va­cina contra a covid só neste ano, com a possibilidade de distribuição de mais um bilhão de doses aos países com renda per capita baixa ou média.

A viabilização do ingresso nesse consórcio só ocorreu com a aprovação da Lei 14.122, março de 2021, que autorizou crédito extraordinário, no valor de R$ 2,5 bilhões em favor do Ministério da Saúde, para tal fim. Espera-se não acontecer desvio de finalidade na aplicação dessa verba, como já aconteceu com milhões que eram destinados à política das vacinas e a sua aplicação massificada.

Rigorosamente, nada mais abusivo do que tentar comprar de intermediá­rios desqualificados e por preço muitas vezes superior ao oferecido pelo próprio laboratório fabricante. E agora, o áudio do estrategista militar Pazuello o expõe de corpo presente e voz de cantor de ópera, declarando, em reunião com vendedores e auxiliares, ainda como Ministro da Saúde, a assinatura de protocolo da compra da vacina Coronavac pelo preço de vinte e oito dólares, por dose, quando o Insti­tuto Butantan a vendia ao governo federal pelo preço de dez dólares.

Enquanto o estrategista negociava, o Presidente protelava, mas sem saber do que seu protegido auxiliar realizava. É crível? Afinal, ele fez tudo tão certinho que até ficou blindado de punição por outro ato, o da presença em motociata, conseguindo para seu processo um esconderijo militar chamado sigilo, válido militarmente por cem anos. Não é dele a lição memorável, porque invertida, que equivale ao “capitão manda, e o general obedece”?

O Supremo Tribunal recebeu a queixa crime dos senadores, e a enviou a Pro­curadoria Geral da República, que a remeteu à Policia Federal para investigação. Se houver indícios veementes de autoria, a eventual denuncia precisa vencer a barreira da “afinidade” do Procurador Geral com o Presidente da República. Se, por milagre, essa denuncia for apresentada ao Supremo, não poderá ser instaurada ação penal, sem antes obter a autorização de dois terços dos parlamentares da Câmara Federal.

A barreira subjetiva é a da “afinidade quase-instransponível”, construída por centenas de pedidos de impeachment engavetados, como se o Presidente da Câmara Federal estivesse garantido, constitucional e absurdamente, pela função de poder ser mero expectador, e portanto sentado sobre cada pedido de impeach­ment, cantando “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. E, se por ventura, for autorizada a ação penal, o Supremo ainda pode ou não aceitar a denúncia.

Na verdade, a prevaricação de um presidente da República atinge amplitude e abrangência, como previsto na Lei 1.079, de 10 de abril 1950 sancionado pelo presidente-general Eurico Gaspar Dutra, que no seu artigo 9º define como “crime de responsabilidade contra a probidade na administração: item 3 –não tornar efetiva a responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”. Portanto, sua eventual responsabilização deverá ser feita através do regime especial de responsabilidade da Lei 1079/1950, a lei do impeachment, tal como os ministros do Supremo Tribu­nal Federal, considerados como agentes políticos.

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