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28 de março de 2024 | 23:22
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Reflexões sobre os 7 x 1, Lelé e o Sarah

Quando Ghiggia marcou o gol da vitória uruguaia tomando do Brasil, em pleno Maracanã, a Copa do Mundo de 1950, os brasileiros, perplexos, busca­ram explicações para a inesperada derrota. O goleiro Barbosa foi sacrificado e outros jogadores fortemente criticados. Nelson Rodrigues imputou a derrota, e as reações a ela, a um “complexo de vira-lata” do brasileiro. Seria parte de um complexo de inferioridade que incluía tudo o que se fazia ou se produzia no Brasil em todas as áreas.

Todos já ouvimos expressões de louvor ao que é produzido lá fora e críticas impiedosas aos produtos brasileiros. “Não dá para ir ao cinema hoje. O filme é brasileiro”… “O analgésico X que eu trouxe dos Estados Unidos é muito melhor que o mesmo produto produzido no Brasil”. E por aí vamos… As vitórias em cinco Copas do Mundo, depois do “maracanazo”, afastaram do futebol esse complexo. Trouxeram mesmo um sentimento inverso, o de superioridade. Ape­sar de, nos últimos tempos, não termos ganho nenhuma Copa, a movimentação de grande parte da mídia e dos torcedores considerava como “favas contadas” a vitória no Brasil, ganhando o cobiçado hexa-campeonato.

Nunca vi e ouvi tanta badalação a um jogador como se fez a Neymar, apesar de não ser, à época, titular absoluto de seu time, o Barcelona. Nunca vi e ouvi tanta badalação a um técnico, como se fez ao Felipão, apesar de, sob suas mãos, o grande Palmeiras ter caído para a segunda divisão brasileira. A massacrante derrota por 7 x 1 contra a Alemanha jogou por terra essa pretensa superioridade. O futebol é tão importante em nosso País que corremos o risco da volta e genera­lização do “complexo de vira-lata”.

Seria lamentável, já que, apesar do esforço maligno e de rapina de maus políticos e maus brasileiros, temos muito do que nos orgulhar. A própria Copa mostrou aspectos positivos reconhecidos em todo o mundo. Se jogadores e Comissão Técnica, que recebem salários milionários e vivem, na sua maioria, no Exterior, não foram capazes de mostrar em campo o futebol que esperávamos, isso não diminui a grandeza do País em muitos aspectos. Vou apontar um deles.

No mesmo dia do vexame futebolístico, conheci em Brasília o Hospital Sarah Kubitschek e fiquei admirado com a estrutura e o trabalho ali realizados. O Sarah, foi fundado pelo Dr. Aloysio Campos da Paz e é reconhecido interna­cionalmente como um dos maiores centros de reabilitação no mundo inteiro. Sua estrutura, foi projetada pelo arquiteto carioca João Filgueiras Lima, o Lelé, parceiro de Oscar Niemeyer.

Lelé, que nos deixou recentemente, aos 82 anos, se consagrou internacional­mente não só por seu trabalho em Brasília e pelo uso pioneiro de componentes pré­-fabricados. Na área da saúde deixou um legado pela ênfase nas preocupações sociais e no bem-estar dos pacientes em seus projetos de construção de hospitais principal­mente os da Rede Sarah, que hoje se espalham por muitas cidades brasileiras: Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Belém, São Luis e Macapá.

Em todos eles predominam as ideias que Lelé deve ter aprendido na história da medicina arabesca da Idade Média com a construção do Hospital de Bagdá, o primeiro grande hospital a ser construído no mundo: a preocupação com ven­tilação, iluminação, vegetação e áreas de lazer. No Sarah de Brasília varias destas preocupações são claramente percebidas. A vegetação bem planejada, as amplas e confortáveis áreas de circulação das pessoas e os cuidados com a circulação de ar tornam o ambiente fresco, claro e alegre.

Há alguns anos conheci Lelé na Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto. Fiquei admirado com sua comunicação oral e com seu livro: “Arquitetura: uma Experiência na Área da Saúde”, destaque do Prêmio Jabuti. Campos da Paz, com as mesmas preocupações sociais e humanísticas de Lelé, fundou o hospital. Daí o ambiente diferente do comum nos recursos humanos.

Cada funcionário contratado pelo Sarah passa por um período de adaptação e aprendizado em relações humanas que pode chegar a oito meses. Tudo isso torna o Sarah um hospital especial. Futebol nada mais é que um esporte, como tantos outros. Seria ótimo se tivéssemos ganho a Copa, mas, importante mesmo é ter coisas mais relevantes para nos orgulhar. O Sarah é uma delas. Não há por­que ter o “complexo de vira-lata”, do qual falava Nelson Rodrigues.

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