19 C
Ribeirão Preto
19 de abril de 2024 | 4:02
Jornal Tribuna Ribeirão
Início » Salve Nelson Sargento!
Artigos

Salve Nelson Sargento!

Menino simples criado no Morro de Mangueira, sob os cuidados de Alfredo Português, padrasto carinhoso e compositor criativo, Nelson Sargento iniciou no mundo do samba em um ambiente im­pregnado de musicalidade e de poesia, que lhe serviu de inspiração para compor suas músicas.

Convivendo com grandes compositores e intérpretes da Estação Primeira de Mangueira, Nelson fez duas músicas em parceria com o mestre Cartola, “Vim lhe pedir” e “O samba do operário”. Essa últi­ma foi composta em um dia 1º de maio e tem uma mensagem social interessante. Como Ary Barroso, que criticando os baixos salários fez a música “Falta um zero no meu orçamento”, Nelson alertava o operário dizendo: se o operário soubesse reconhecer o valor que tem seu dia, por certo que valeria duas vezes mais o seu salário, mas como não quer reconhecer é ele escravo sem ser de qualquer usurário.

Na década de 1960 o sambista integrou o Grupo Rosa de Ouro, dan­do início a sua carreira semi-profissional, em um projeto revolucionário de Hermínio Bello de Carvalho, que transformou o conceito de espe­táculo de samba ao reunir compositores do morro (Nelson Sargento e Anescarzinho do Salgueiro), sambistas da cidade (Paulinho da Viola e Elton Medeiros), cantora popular (Clementina de Jesus) e cantora lírica do teatro de revista (Aracy Cortes).

Com o fim do Rosa de Ouro, integrou o grupo A Voz do Morro, formado pelo sambista Zé Keti para a gravação de alguns discos, e posteriormente o grupo Os Cinco Crioulos, que já não contava com a presença de Paulinho da Viola, pois esse iniciara a carreira solo e gravara seu primeiro disco, no qual incluía a composição “Minha vez de sorrir” do nosso querido sambista.

Por volta de 1973, ao se deparar com alguns quadros pintados por Nelson, o jornalista Sérgio Cabral gostou do que viu, adquiriu a primei­ra tela e para incentivar o amigo fez uma exposição em sua casa para divulgar a obra donovo artista plástico.

A versatilidade é a principal característica de Nelson Sargento. Ele não se contenta em simplesmente cantar, compor e pintar, mas também precisa se expressar através da escrita.
Escreveu uma biografia do sambista Geraldo Pereira e mais três livros de poesias e pensamentos, sendo o último lançado em julho deste ano.

O poeta Carlos Drumond de Andrade ao escutar a sua música “Encanto de paisagem”, disse a seguinte frase ao sambista: quanta delicadeza emocional.

Passando por uma fase difícil e procurando ganhar algum dinheiro, Nelson foi à gravadora oferecer alguns sambas que acabara de compor, porém, o produtor de maneira desinteressada falou: eu estou precisando de um samba diferente. Estes teus sambas são todos iguais, tradicionais, e não vão fazer sucesso. O sambista indo para casa com aquilo na cabe­ça se questionava: ele quer um samba diferente, mas como é que seria esse samba? O que será que eu posso fazer?

No dia seguinte teve a ideia genial. É samba diferente que ele quer, então vai ser assim, em um “Idioma esquisito”: fui fazer o meu samba na mesa de um botequim, depois de umas e outras o samba ficou assim. Estrambonático, palipopético, cilalenítico, estapafúrdico, protopológico, antropofágico, presolopépipo, atroverático, batunitétrico, pratofinando­lo, calolotético, caranbolambolu, posolométrico, pratofilônica, proto­polágico, canecalônica. É isso aí, é isso aí, ninguém entendeu nada eu também não entendi.

É isso aí produtor, você queria um samba diferente e conseguiu, e nós amantes do samba ganhamos um poeta, que na condição de prisio­neiro do mundo, como ele se coloca, encara a vida com a sabedoria dos poetas maiores, daqueles que conseguem viver e criar, apesar dos limites que a condição humana os impõe.

Axé, meu querido Nelson e saiba de onde você estiver que deixou um legado de amor, carinho e cultura extraordinário, que servirá de referência para as novas gerações.

Mais notícias