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19 de abril de 2024 | 8:05
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Sonhos são sonhos

O poeta espanhol Calderón de La Barca nasceu na Espanha em 17 de janeiro de 1600 e notabilizou-se por ter escrito o texto deno­minado o Monólogo de Segismundo ou o Solilóquio de Segismundo.

Numa narrativa muito curta conta que um príncipe foi condena­do a viver solitariamente preso desde a infância em uma torre por­que os pressentimentos inclinavam-se a dizer que seria uma pessoa marcada pela constante maldade.

Num certo dia, o rei coloca em dúvida a visão e determina que seja o príncipe primeiramente adormecido para em seguida vesti-lo com as roupas de príncipe. Assim é acordado cercado cerimoniosa­mente pelos nobres da corte. Envolvido na nova vida passa a com­portar-se como uma pessoa mergulhada na mais profunda maldade.

Por assim ser, é novamente adormecido, retiradas suas vestes principescas, vestido com o traje de prisioneiro, devolvido à torre que o encarcerava, acordando encarcerado como nos outros tempos.

O príncipe prisioneiro, ao voltar à vida de prisioneiro, é mergu­lhado na mais profunda dificuldade para identificar a sua identida­de. Ou seja, não sabe se é um prisioneiro que num dia sonhou que era príncipe, ou se é um príncipe que está agora sonhando que é um prisioneiro. A dúvida sobre a natureza do sonho e o seu verdadeiro significado é o ponto chave da obra de Calderón de la Barca.

Daí surge os famosos “Monólogos de Segismundo”, também conhecidos como “O Solilóquio de Segismundo”.

Argumenta que sonha o rei que é rei razão pela qual todos obe­decem as ordens por ele emitidas. Sonha o camponês que é campo­nês construindo assim a sua suposta existência.
Conclui Segismundo que na vida todos sonham. Mas se na vida todos sonham, o que é um sonho? Conclui que “Sonhos sonhos são”. Impossível assim definir se o prisioneiro um dia sonhou que era prín­cipe, ou se agora é um príncipe que está sonhando ser um prisioneiro. Na vida todos sonham. Ou até mesmo que a vida é um sonho!

Muito mais difícil do que tracejar os caminhos de Calderón de La Barca é perscrutar a possibilidade de ter sido ele, séculos antes da nossa existência, um verdadeiro profeta dos estudos realizados hoje em dia sobre as estruturas da nossa alma.

“Pare de sonhar, menino, aprenda a caminhar pelos duros ata­lhos da realidade, por isso que você nem é um príncipe e nem muito menos um prisioneiro. Você apenas é o que sempre foi, estando assim condenado acarregar o enigma dos seus sonhos”.

Mas a condenação do homem a viver todos os dias de sua exis­tência amarrado a sonhar com os dias principescos ou com o peso das correntes condenatórias indica ou não indica o proferimento de uma sentença editada pelo Ser de todo o universo?.

Neste sentido seria absolutamente impossível que Segismundo tenha conseguido livrar-se de sua condenação irrecorrível, frente a uma parede sem porta que o impede de enxergar se é o príncipe ou o prisioneiro. Não há instâncias recursais para a impetração de re­cursos contra as sentenças editadas pelo Ser do universo. Ou contra as ferramentas fincadas pela mãe natureza.
Ou os dois ao mesmo tempo, seja príncipe e prisioneiro, ao mes­mo tempo, dotado da impossibilidade virtual de definir o seu caráter como ser humano.

Conseguir a identificação de sua pessoa, num mundo sem jane­las e nem portas, com muros tapados para todos os lados, representa para Calderón de La Barca o primeiro passo para ser encontrada a sua liberdade, no mundo dos sonhos. Então a existência é um sonho? O que é um sonho? “Sonhos sonhos são”.

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