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16 de abril de 2024 | 9:41
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Zarabatanas medicamentosas

Os ameríndios amazônicos fazem uso medicinal da Cinchona led­geriana (Quina) desde o Neolítico como antipirético e antipaludismo. O alcaloide vindo dessa árvore, a quinina, foi descoberto e manejado pelos povos da floresta equatorial peruana e equatoriana; nossos vizi­nhos hermanos. Nas décadas de trinta e quarenta do século passado a partir desse conhecimento local, farmacêuticos europeus sintetizaram a cloroquina e a hidroxicloroquina. Trata-se de um remédio larga­mente usado para reumatismo, malária e lúpus e comprovadamente descartado por meio de estudos recentes para a covid-19.

A farmacopeia dos povos indígenas possui valor inestimável; os etnobotânicos que o digam! Há inúmeros exemplos de medicamentos desenvolvidos a partir do uso inicial dessas comunidades locais. Cito dois exemplos utilizados perante o novo coronavírus: a tubocurarina, proveniente do curare amazônico (Strychnos sp e Chondrodendron sp), o relaxante muscular indispensável na intubação dos pacientes em reanimação por respiradores artificiais; e a crepitina, vinda do assacu (Huracreptans), um composto antiviral promissor no controle da inflamação dos pulmões causada pelo Sars-cov-2 e por uma resposta imunológica exacerbada, a chamada tempestade de citocinas.

Em 3 de fevereiro deste ano o Brasil declarou estado de emer­gência sanitária perante a covid-19, logo após a OMS o fazê-lo. Em 7 de julho, somente 5 meses depois, o Governo Federal aprovou o Plano emergencial de enfrentamento à pandemia em territórios in­dígenas (Lei 14.021/2020). Mas Jair Messias Bolsonaro fez 16 vetos, entre eles: a obrigação de organizar o atendimento de média e alta complexidade para indígenas que vive em centros urbanos; a oferta emergencial de leitos hospitalares e UTI; obrigação de disponibiliza­ção de ventiladores para oxigenação sanguínea; a inclusão dos povos indígenas nos planos emergenciais de atendimento a casos graves das secretarias municipais e estaduais de saúde; parte da obrigação de elaboração de materiais informativos sobre a gravidade da doença em linguagem acessível; obrigação de oferecer pontos de internet nas aldeias evitando deslocamentos a centros urbanos; distribuição de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas; e garantia de acesso à água potável.

O ministro Luís Roberto Barroso acolheu, em parte, os pedidos feitos pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), perante os vetos do presidente da república, como a instalação de barreiras sanitárias em áreas com presença de indígenas isolados e acessibili­dade de todos que necessitarem do Subsistema Indígena de Saúde, independente de suas terras estarem homologadas ou não. Mas isso ainda vai a plenário.

Outro ministro do Supremo, Gilmar Mendes, em 11 de julho recente, afirmou, a partir da comunicação equivocada e dos atos erráticos da Presidência da República perante a pandemia, que o Exército Brasileiro estaria se associando a um genocídio. A juris­ta Deisy Ventura, estudiosa da relação entre pandemias e direito internacional, professora da Universidade de São Paulo, explica em entrevista ao Jornal El País, edição de 22 de julho recente, que há elementos suficientes para investigar o presidente Jair Bolsonaro e outras autoridades do Governo por crimes contra a humanidade.

Segundo a professora é essencial para o futuro do país que esse debate ocorra. Convido os leitores desta coluna a ler a referida en­trevista, intitulada “Há indícios significativos para que autoridades brasileiras, entre elas o presidente, sejam investigadas por genocídio”. Segundo a jurista, não se trata de condenar antes do julgamento, mas sim dar densidade técnica e discutirmos isso com tranquilidade.

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro diz que para trans­pormos o fim do mundo nós precisamos nos voltar aos ameríndios pois eles já passaram por isso com a chegada dos europeus nos sécu­los XV e XVI. Neste exato momento registra-se uma perda enorme de anciãs indígenas, guardiãs das sementes, das ervas e receitas de cura. Guardiãs de um futuro possível e saudável. Já se prevê um hiato na transferência de conhecimento intergeracional entre suas comunidades. Daí a relevância de olharmos com o devido respeito essa agrura que acomete o Brasil. Nos mantermos bem informados e solidários é lançarmos nossas zarabatanas em favor da vida.

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