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29 de março de 2024 | 8:57
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‘Zumbis’ que furtam tudo por droga

Por Adalberto Luque

Geralmente eles agem na calada da noite. Mas as ima­gens das câmeras de seguran­ça, cada vez mais presentes pelas ruas da cidade, mostram uma triste realidade: o aumen­to e a diversidade de pequenos – alguns nem tanto – furtos praticados com o objetivo úni­co de conseguir uns trocados para comprar uma pedra de crack ou outra droga.

Ousadia e repertório são grandes. Ponto de ônibus, fios de eletricidade, lixeiras, nú­meros de identificação de re­sidências, maçanetas, tampas de bueiro, grades de bocas de lobo, tapumes de canteiro de obras, postes de iluminação e até trilhos de trem.

Agindo de madrugada, como se fossem zumbis em um filme pós-apocalíptico, é quase impossível combater es­sas ações criminosas. A Polícia Militar conta com denúncias ou com a sorte de flagrar um furto. Mas, por conta de mui­tas vezes não haver registro de ocorrência, a PM não tem como identificar os locais mais problemáticos. O trabalho é feito em cima de boletins de ocorrência (leia nesta página). Assim, somam-se os furtos que deixam a população assus­tada e espantada pela ousadia.

Câmera flagra homem furtando tranquilamente fios de semáforo

Flagrantes
Somente no mês de maio, imagens de câmeras de segu­rança registraram vários casos. Como o furto de fios na aveni­da Costa e Silva (Zona Norte), por volta de 20h, com o ladrão sequer se importando com o movimento de veículos. No dia seguinte, pane nos semáfo­ros da região.

Houve o furto de um ponto de ônibus no Planalto Verde (Zona Oeste). O homem pa­cientemente conseguiu que­brar a base e foi embora com o ponto, causando transtornos para quem utiliza o transporte coletivo naquela região.

Nos Campos Elíseos (Zona Norte), uma grade de bueiro foi levada durante a noite e, de dia, um veículo caiu com a roda dianteira sobre o buraco, ao ma­nobrar. Uma creche na Vila Elisa (Zona Norte) sofreu dois furtos de fios num único final de sema­na e as aulas foram suspensas.

Em abril, não foi diferen­te. Um homem foi pego pou­co depois de furtar uma pia na Vila Tibério (Zona Oeste). Uma viatura da Central de Polícia Ju­diciária (CPJ) Integrada passava pelo local e acabou prendendo o ladrão em flagrante. Assim como a Guarda Civil Municipal de Ribeirão Preto, que prendeu um grupo de pessoas roubando trilhos de trem próximo à Estra­da do Piripau (Zona Leste).

R$ 15 mil
Um engenheiro civil, que prefere não se identificar, teve um prejuízo de R$ 15 mil com furtos. Ele tem uma casa que estava para alugar no Jardim Califórnia (Zona Sul). “Pularam o portão e a cerca elétrica colo­cando um cobertor em cima e depois arrombaram a porta principal. Tive que refazer toda a parte elétrica, colocar novas torneiras, novos registros, novo chuveirão da piscina, novas gra­des dos ralos que eram de ferro, novas maçanetas, trocar parte do armário da cozinha, porque quando ele roubou as tornei­ras, deixou vazando água que caiu nos armários de madeira, que estufaram. Tive também que rebocar e pintar as partes danificadas. Gastei cerca de R$ 15 mil”, lamenta.

Uma das principais vítimas das pessoas que furtam o que encontram pela frente para conseguir algum dinheiro e comprar mais droga é a pre­feitura de Ribeirão Preto. A Secretaria de Infraestrutura e a de Água e Esgoto (Saerp) são as principais prejudicadas.

Em nota, a Secretaria de Infraestrutura e a Saerp infor­mam que foram identificados os furtos de tampas de poços de visita de galeria de águas pluviais, de grades de ferro, de grandes proporções em pra­ças e poços de abastecimento da Saerp. “As Secretarias estão investindo na implantação de sistemas de segurança, além de contarem com o apoio da Guarda Civil Municipal no patrulhamento dos próprios públicos”, informam em nota.

Receptação
Um fator preocupa demais. Se há quem comete o crime, é porque há quem compre o pro­duto furtado. Ou seja, o recepta­dor. O tenente coronel aposenta­do da Polícia Militar, especialista em segurança pública e repre­sentante da Ordem dos Advo­gados do Brasil (OAB) no Con­selho Municipal de Segurança Pública, Marco Aurélio Gritti concorda que a maior parte dos crimes de furto e roubo ocorrem para alimentar o vício em droga lícita, como o álcool e ilícita, como o tráfico.

“Esse ciclo criminoso ali­menta também o crime de re­ceptação. A meu ver, o combate aos crimes patrimoniais, além do reforço do policiamento os­tensivo e da investigação para se chegar aos autores, requer rigorosa e constante fiscaliza­ção municipal nos ‘desmanches’, com imediata interdição em caso de ilegalidade, bem como rever a legislação no sentido de impor maior rigor nas penas, pois que esses criminosos num curto espaço de tempo, quando presos, voltam às ruas para co­meter novos crimes”, ressalta.

Impossível combater receptação

Célio Antônio Santiago avalia que sejam necessários mais 100 investigadores para combater a receptação

Célio Antônio Santiago avalia que sejam necessários mais 100 investigadores para combater a receptação
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis da Região de Ri­beirão Preto (Sinpol), Célio Antô­nio Santiago, diz que é impossí­vel combater a receptação com a carência de efetivo. “A Polícia Civil tem uma enorme defasa­gem. Para realizar ações contra os receptadores, que alimentam esse mercado de furtos, seria preciso, no mínimo, mais 100 investigadores só em Ribeirão Preto. Em toda a nossa região, pelo menos mais 300 inves­tigadores. E temos apenas 10 investigadores nos oito Distritos Policiais que agruparam. Assim fica impossível. Além disso, não bastam apenas investiga­dores. Precisamos de mais 150 escrivães e pelo menos mais 20 delegados. Isso só para Ribeirão Preto”, diz.

O Sinpol denuncia há vários anos o esvaziamento da Polícia Civil. De acordo com levanta­mento do Sindicato, entre janei­ro de 2020 até março de 2022, aposentaram-se 65 policiais civis na região de Ribeirão Preto. Vieram apenas 33 policiais civis nomeados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP). Praticamente 50% das vagas em aberto deixaram de ser preen­chidas.

“Aposentaram-se 26 investiga­dores e chegaram somente 13. Como vamos combater o crime de receptação? Além da inves­tigação, tem o inquérito. Cada escrivão toca 700 inquéritos. Alguns chegam a 1.000. Como fazer um trabalho eficaz e dar a resposta à população se não há policiais?”, indaga.

“O governo poderia contratar policiais civis aposentados para realizar serviços administrativos e entregar intimações, liberando os policiais civis, já propomos isso. Mas em caráter emergencial, porque só vai estabilizar contra­tando novos policiais. Estimamos em 15 mil o déficit de policiais civis no Estado”, finaliza.

PM destaca importância em registrar BO
Em nota, a Polícia Militar explica que está atenta à situação e destaca a importância em registrar as ocorrências de furto e rou­bo, pois todo planejamento de policiamen­to ostensivo baseia-se em informações retiradas de bancos de dados estatais e isso auxilia o planejamento operacional e também os trabalhos de investigação de Polícia Judiciária, feito pela Polícia Civil.

“Cumpre destacar que o problema en­volvendo pessoas em situação de rua na verdade trata-se de uma vulnerabilidade social que atualmente aflige as nossas cidades, cuja solução demanda o concur­so de outros órgãos e entes estatais além da Segurança Pública; quanto ao destino das ‘res furtivas’ trata-se de uma situação que envolve todo um trabalho estratégico investigatório, que como é sabido cabe à Polícia Civil”, afirma a nota.

Desde o início de 2022, somente o 51º Batalhão, que cuida das zonas Sul, Centro e Oeste da cidade, prendeu 415 pessoas, recuperou 101 veículos, realizou mais de 49 mil buscas pessoais e fiscalizou mais de 33 mil veículos, além de apreender 65 armas e 21 quilos de drogas.

Polícia Civil trabalha com Inteligência
O Departamento de Polícia Judiciária do Interior (Dein­ter-3), órgão que responde pela Polícia Civil em 93 cida­des da região, informou, através de nota, que tem intensi­ficado ações de investigação visando identificar autores de crimes de furtos e roubos e também dos receptadores. Cita exemplo de diversas prisões em flagrantes de auto­res de furtos de fios de cobre, por exemplo, com prisão de receptadores.

“O fechamento de estabelecimentos comerciais demanda ação dos órgãos competentes a nível estadual e mu­nicipal, os quais tem participado com a Polícia Civil no enfrentamento da receptação de material relacionado a crimes. Há trabalho de inteligência policial realizado para a identificação e cadastramento dos locais destinados a compra de material furtado/roubado visando futuras ações policiais”.

SSP
A Secretaria da Segurança Pública (SSP), também em nota, destaca a importância de registrar as ocorrências para orientar o policiamento nas ruas e possibilitar inves­tigações para detenção dos autores e cita que o registro também pode ser feito pela internet, através da Delegacia Eletrônica, além das delegacias físicas. “O trabalho con­junto das forças policiais na região resultou, somente nos três primeiros meses de 2022, na prisão de 598 crimino­sos, apreensão de 58 armas de fogo ilegais e recuperação de 224 veículos roubados ou furtados”, conclui.

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