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A Tonga da mironga do Kabuletê

Vocês já ouviram essa expressão A Tonga da mironga do Kabuletê? Com certeza nos remete a língua africana, provavel­mente a língua nagô, entretanto, a frase “Na Songa da mironga do Kabuletê” foi dita no mercado de Salvador por um tran­seunte, e a mulher de Vinícius de Moraes a ouviu, e impressio­nada com a sua sonoridade, contou ao marido, que criativa­mente compôs uma nova música, trocando o “S” de Songa por “T” de Tonga, para dar mais sonoridade, virou “Na Tonga da mironga do Kabuletê”.

Começo da década de 70, Vinícius de Moraes iniciava sua parceria com Toquinho, morava em Salvador e era há pouco casado com a baiana Gessy Gesse.

O Brasil está naquela fase do “Pra Frente Brasil”. De um lado, o chamado “Milagre econômico”. De outro, censura, ditadura, repressão.

Vinícius, ateu “graças a Deus”, se aproxima do candomblé, seguia uma vida sem muitas regras. Um dia, estava em casa com Toquinho, quando Gesse entra pela porta e grita: “Na songa da mironga do Kabuletê!”, afirmando que se tratava de um xingamento que ela ouvira no Mercado Modelo.

Com Toquinho, Vinícius compõe a canção para apresentá­-la no Teatro Castro Alves, para a apresentação oficial da dupla.

Era a oportunidade de xingar os militares sem que eles compreendessem a ofensa.

E o poeta ainda se divertia com tudo isso: “Te garanto que na Escola Superior de Guerra não tem um milico que saiba falar nagô”. Assim, mudaram “songa” por “tonga” e Vinícius mandou todo mundo à “Tonga da Mironga do Kabuletê”.

Mas o que significa?

Segundo o livro “Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão”; uma Biografia (Cia das letras, 1994), significava “pelo c… da mãe”. Procurando em sítios digitais, encontram-se outros signi­ficados, ou mesmo que a sonoridade não tem sentido nenhum. Dentre outros significados, podemos relacionar esses:

– TONGA – (dicionário Aurélio) – palavra provavelmente de origem Angolana, significando “ terra a ser lavrada” ou “ lavoura”, e ainda em sentido pejorativo, palavra para designar descendentes de lusos, ou de serviçais, nascidos nas ilhas.

– MIRONGA – em Candomblé e na Macumba “feitiço, sortilégio, bruxedo”.

– CABULETÉ – “indivíduo reles, desprezível, vagabundo”. Daí pode-se concluir que o sentido não é dos melhores, uma expressão realmente pejorativa.

Analisando bem a letra da música, pode-se considerar que o termo significa o mesmo que “vá pra P…Q… P…”.

Sempre achei sonora demais a expressão da música Ton­ga da Mironga do Kabuletê, só faltava descobrir que raios de expressão era essa. A resposta estava na contracapa do vinil Como Dizia o Poeta, de Vinicius de Moraes, Toquinho e Ma­rília Medalha, de 1971. Nela, um texto de Vinicius afirma que o xingamento mais malevolente da bossa nova foi colhido em Salvador por sua mulher, Gessy Gesse, durante a passagem do trio na cidade para uma série de shows. Lá mesmo Vinícius, Toquinho e Marília compuseram várias das canções que grava­riam depois no disco.

Mas o que impressionava mesmo era a sonoridade do xingamento. “Substituímos, por uma questão de ênfase tonal, o songa por tonga, e mandamos lenha, encantados pelo som insolente da expressão, que ecoa como um tremendo desabafo”, escreveu o poeta.

Vinicius só não podia jamais registrar o que queriam dizer com aquilo. Talvez tenha sido o modo velado de falar mal dos ditadores do regime militar que mais aliviou na história. Salve Vinícius de Moraes e a música popular brasileira.

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