Tribuna Ribeirão
DestaqueGeral

Só Medida Protetiva resolve?

SIMULAÇÃO/REPRODUÇÃO

Adalberto Luque

Renata Aparecida Lopes de Carvalho, 54 anos, tenta­va reconstruir sua vida. Em 26 de julho de 2022 ela havia sido agredida por seu ex-com­panheiro. O homem foi colo­cado em liberdade provisória na Audiência de Custódia. No entanto, o juiz do caso deter­minou a Medida Protetiva de Urgência (MPU), que impe­dia o agressor de se aproximar da vítima.

A diarista, que sempre foi batalhadora, decidiu retomar sua vida longe do ex-compa­nheiro. Solteira e sem filhos, em fevereiro deste ano ela se mudou para o Conjunto Resi­dencial João Rossi. Vida nova, pensava ela, longe do homem que a agrediu com violência.

Renata tentava recomeçar a vida após primeira agressão sofrida em julho de 2022 – Fotos: Redes Sociais

O papel, que já protegeu milhares de mulheres em todo o País, não foi suficiente para salvar a vida de Renata. Na noite de quinta-feira (22/06), o ex-companheiro foi até o prédio onde a mulher morava. Testemunhas disseram que ele teria chutado o portão e entra­do no condomínio. Depois su­biu as escadas, chutou a porta do apartamento onde Renata vivia sozinha e passou a agre­di-la e quebrar móveis.

Desesperada, a vítima se pendurou na escada do prédio, tentando se esconder do agres­sor. Vizinhos ouviram os gritos e as ameaças de morte feitas pelo homem. Ele avistou a víti­ma e foi atrás. Ela tentou pular de um andar para o outro, mas escorregou e caiu de uma altu­ra superior a três metros.

A mulher caiu de bruços, rosto no chão. Isso não im­pediu o homem de chutá-la e arrastá-la pelas pernas. Os vi­zinhos interviram. Ele tentou fugir, mas foi contido. A Po­lícia Militar chegou e o levou para a delegacia.

Renata foi levada para o Hospital das Clínicas – Unida­de de Emergência (HC-UE) e imediatamente seguiu para o centro cirúrgico. Foi consta­tado traumatismo craniano, sangramento no abdômen e fratura no fêmur esquerdo. A mulher batalhadora não reto­mou mais a consciência e, no domingo (25/06), não resis­tiu aos ferimentos sofridos. O papel (Medida Protetiva) não impediu sua morte.

Testemunhas relataram que o ex-companheiro da vítima estava muito agitado e com odor etílico. Na delegacia disse que foi apenas buscar suas rou­pas e a mulher não o atendeu. Uma sobrinha da vítima se re­voltou com isso. “Negativo, ele foi disposto a matar ela, não tem sequer uma peça de roupa dele lá, muito menos móveis”, desabafa Kellen Marques.

Só o papel não basta
A presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol), Fá­tima Aparecida Silva, que tra­balhou por vários anos como investigadora na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) em Ribeirão Preto, acredita que a ferramenta é importante, mas não basta. Fátima observa que grande parte das mulheres que obtêm medidas protetivas de urgência moram em periferias, em residências nem sempre seguras.

Fátima, presidente do Sinpol: apenas um pedaço de papel – LABORATÓRIO DE NOTÍCIAS

“É apenas um papel. A mu­lher que obteve vai para casa e acaba ficando sem seguran­ça. Se a medida for para uma mulher que mora na perife­ria e é pouco esclarecida para pedir ajuda, não funciona. O agressor chega, chuta a porta e entra. Muitas vezes são mo­radias frágeis, sem a mínima segurança. A vítima fica à mer­cê de um papel. E mesmo que consiga chamar a polícia, tem o tempo de chegada. É preciso haver outras medidas que pro­tejam efetivamente as mulhe­res”, expõe Fátima.

Em alta
De acordo com dados di­vulgados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) em seu site, no interior do Esta­do os feminicídios cresceram 60% nos cinco primeiros me­ses deste ano, em compara­ção com o mesmo período do ano passado. Foram 69 casos em 2023, contra 43 de janeiro a maio de 2022.

Os casos de invasão de domicílio tiveram cresci­mento muito maior. Ho­mens inconformados com o término do relacionamento invadiram 301% mais casas de janeiro a maio de 2023 do que no mesmo período em 2022. Foram 550 casos neste ano e 137 no ano passado.

Um indicador de que as medidas protetivas podem dar bons resultados está nos casos de lesão corporal, que tiveram queda de 14% no total de ocor­rências, de 2022 para 2023.

Morelli, do MPSP: “é importante que as denúncias continuem” – MPSP/DIVULGAÇÃO

Patrulha Maria da Penha
Para o promotor de Justi­ça em Ribeirão Preto, Claudio José Baptista Morelli, os núme­ros não refletem apenas a esca­lada de violência. “Mas tam­bém a maior conscientização da população feminina sobre a questão da violência doméstica e familiar e sobre a existência e eficácia das medidas protetivas de urgência”, destaca, pedindo que as denúncias continuem. E garante que as MPUs são instrumentos eficazes no com­bate à violência doméstica e fa­miliar. Cita, por exemplo, que nenhuma das vítimas de femi­nicídio antes de Renata tinha MPU. Houve apenas um caso em que a vítima havia pedido para revogar a medida.

“Em Ribeirão Preto, assim que concedidas as Medidas Protetivas, o Juízo da Violên­cia Doméstica e Familiar con­tra a mulher comunica ime­diatamente a Polícia Militar e a Guarda Civil Municipal (Pa­trulha Maria da Penha), que no mesmo momento auxiliam a Justiça no cumprimento das medidas (de afastamento do agressor do lar, de intimação deste sobre a impossibilida­de de aproximação e contato com a vítima), garantindo a concretização das medidas. Além disso, a Patrulha Maria da Penha se incumbe de rea­lização de rondas periódicas junto às vítimas para garantir que as medidas estão sendo cumpridas, fornecendo rela­tórios ao Juízo sobre as rondas realizadas e a situação das víti­mas”, expõe Morelli.

Problema é mais amplo
A advogada criminalista e integrante da Comissão da Mulher Advogada da OAB Regional Ribeirão Preto, Ca­rolina Sabbag Salotti, tam­bém evidencia a importância da medida, mas aponta que é preciso mais para evitar novas agressões e mortes às mulheres que detêm MPUs.

“As Medidas Protetivas de Urgência são concedidas, de modo geral, quando a mulher já está em uma situação de grande vulnerabilidade, já ten­do sofrido algum tipo de vio­lência, de modo que, muitas vezes, elas não são suficientes para impedir que ela seja víti­ma de um novo crime. Por cer­to, quanto maior a fiscalização de tais medidas e quanto mais célere a sua concessão, maiores as chances de efetiva proteção da ofendida”, acredita.

Para a advogada Carolina, é preciso que o problema da violência contra a mulher seja encarado como estrutural, fruto do machismo que impera na sociedade – ALFREDO RISK

Mas a advogada alerta para uma situação mais ampla e que precisa ser enfrentada para que os números realmente caiam. “Para que haja uma diminui­ção significativa no número de casos, é preciso que o proble­ma da violência contra a mu­lher seja encarado como estru­tural, fruto do machismo que impera em nossa sociedade. Só com mudança estrutural efetiva, com maior conscienti­zação e educação, é que conse­guiremos realmente começar a avançar no combate à violên­cia doméstica”, diz Carolina.

Tornozeleira
Tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei 2.748/21 que autoriza o monitoramento por tornozeleira eletrônica de acu­sados de violência doméstica, uma proposta que altera a Lei Maria da Penha. Mas ainda é um projeto e pode demorar para ser votado e se tornar lei.

Para o promotor Morelli, todavia, é preciso mais. “Acre­dito que a legislação prevendo o uso de tornozeleira eletrôni­ca seria um bom instrumento para a prevenção e combate à reincidência nos casos de vio­lência doméstica. Entretanto, a existência de legislação não basta; é imprescindível a im­plementação, a estruturação do Estado para viabilizar o for­necimento das tornozeleiras e a efetiva fiscalização, sem o que a mera existência da lei se torna inócua.”

O Anuário Brasileiro de Se­gurança Pública também de­fende medidas extras. Na pu­blicação de 2022, o documento exalta a MPU como impor­tante mecanismo de proteção à mulher vítima de violência doméstica. Mas vai além.

“A mera concessão judicial da MPU não é o bastante. A eficácia do provimento jurisdi­cional está intimamente ligada ao controle e fiscalização por parte do Estado, o que pode realizar-se, com eficiência, a partir do monitoramento ele­trônico, preferencialmente com a disponibilização à ofendida do uso de unidade portátil de rastreamento, com dispositivo para acionamento direto dos órgãos de segurança pública, de modo a criar áreas de exclusão dinâmicas”, conclui o relatório.

Mais de 5 mil atendidas pelo SOS Mulher
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, a respeito da morte de Renata, que o inquérito foi instaurado pelo 4º Distrito Poli­cial de Ribeirão Preto. “O autor, de 40 anos, foi autuado por femini­cídio e violência doméstica, permanecendo à disposição da Justiça. Diligências prosseguem para elucidação do caso”, diz a nota.

A SSP destaca que o combate à violência contra a mulher é priori­dade do governo. Conta com 140 DDMs, 11 das quais com funcio­namento ininterrupto. Além disso, 77 salas de DDM estão instaladas em plantões e há ainda a possibilidade de videoconferência com atendimento feito por uma delegada mulher.

No Estado de São Paulo, as vítimas com medidas protetivas conce­didas pela Justiça têm à disposição o aplicativo SOS Mulher, para auxiliar em situações de risco. Com apenas um botão no celular, a viatura da Polícia Militar mais próxima é enviada ao local. Mais de 35,7mil usuárias estão cadastradas para realizarem chamadas de emergência. Houve 5,1 mil acionamentos via APP e 321 pessoas foram conduzidas para distritos policiais, sendo 153 presas.”

Postagens relacionadas

Prefeitura atrasa licitação de ponte do Royal Park 

William Teodoro

Larga Brasa

William Teodoro

Agronegócio ganha ferramenta que acompanha evolução da covid-19

Redação 1

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com