André Luiz da Silva *
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Atendendo ao generoso convite da querida Elza Rossato, acompanhei com entusiasmo ao lançamento de mais um volume da coleção “O Passado Manda Lembrança”, uma joia cuidadosamente lapidada pelo Grupo Amigos da Fotografia de Ribeirão Preto e o Movimento das Artes. Trata-se de um projeto sensível e grandioso que reuniu mais de 60 profissionais movidos por amor à memória e ao pertencimento. Segundo os organizadores, esta edição deve marcar o encerramento da série — um adeus motivado pela escassez de registros do passado. Uma notícia que, confesso, despertou em mim uma ponta de tristeza, como se fechássemos a última página de um álbum de família.
Coincidência ou destino, no dia seguinte me chegou às mãos a 236ª edição do Jornal da Vila, informativo da região da Vila Tibério. Ali, encontrei uma matéria que tocou meu coração: um resgate da ARCA — a saudosa Associação Recreativa e Cultural da Antarctica. Segundo o jornalista Fernando Braga, Eduardo Cardoso Oliveira, ex-presidente da entidade, generosamente cedeu um valioso acervo fotográfico daquele que foi um dos maiores símbolos de sociabilidade e esporte da nossa Ribeirão. Essas imagens serão publicadas mensalmente, como quem distribui preciosas pérolas da memória ao longo do tempo.
A repercussão entre os moradores da região foi imediata e emocionante. Há um entusiasmo coletivo em reviver — mesmo que pelas páginas de um jornal — os dias dourados que, apesar das muitas dificuldades, são lembrados por alguns como os mais felizes. Em breve, voltaremos a ouvir histórias das equipes de futebol que faziam vibrar corações, das quadras animadas e do campo com um placar curioso, formado por dois marcadores enormes, parecidos com relógios. Lembro da mina d’água atrás do gol — refresco divino entre um lance e outro. E dos balanços, das árvores frondosas, que nos presenteavam com jatobás, mangas, jacas. Era como se o tempo ali tivesse um compasso diferente, mais generoso.
Esse contato com o passado — em dois materiais tão distintos e complementares — me fez refletir profundamente. Quando minha neta Maitê crescer, que registros terá do presente em que vivemos? Que fontes consultará? Serão confiáveis?
Na minha infância, as histórias vinham dos mais velhos, dos livros escolares, dos jornais, das rádios e das televisões. Tudo o que era publicado ou noticiado tinha aura de verdade incontestável. Mas com o passar dos anos, o Brasil começou a revisitar suas memórias e compreender que nem tudo o que se dizia era fiel aos fatos. A história real, muitas vezes, esteve adormecida sob a conveniência do silêncio.
Em conversas recentes com meu pai, hoje octogenário, percebi como as feridas da memória continuam pulsando. Ele, que repete suas histórias como um disco antigo, hoje enxerga com clareza o quanto foi explorado no trabalho, o quanto se doou, e o quão pouco recebeu. Naquela época, sua família não tinha condições para registrar a vida em fotos, filmes ou diários. O passado dele — como o de tantos outros — sobrevive apenas na oralidade. E pensar que essa mesma Ribeirão Preto, hoje tão próspera e moderna, já era atrativa há décadas, embora sua riqueza tenha sido, tradicionalmente, dividida com poucos.
Agora, vivemos em tempos confusos, onde a verdade parece cada vez mais escorregadia. As chamadas Fake News são disseminadas com tamanha velocidade que até inteligências artificiais e algoritmos as tomam por reais. Diante disso, resta a cada um de nós a tarefa — quase sagrada — de proteger a memória verdadeira e lutar para que o bem e a honestidade resistam.
De minha parte, torço sinceramente para que Maitê cresça cercada de registros honestos e afetivos. Que ela possa, um dia, contar aos seus filhos que, mesmo em meio a guerras, polarizações políticas, crises climáticas e desinformação, no ano de seu nascimento havia — sim — pessoas de boa vontade. Homens e mulheres que, com coragem e esperança, tentavam construir um mundo melhor para ela e para as gerações que ainda viriam.
Porque, no fim das contas, são as lembranças verdadeiras que mantêm vivos os alicerces do futuro. E o passado… ah, o passado… esse sempre manda lembrança.
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista

