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Soberania não se compra no Mercado Livre

Foto: Arquivo

André Luiz da Silva *
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Antes de mais nada, é preciso dizer: não basta ter diploma na parede e frases de efeito na ponta da língua. A vida, com suas trapalhadas e suas surpresas, também é uma professora de primeira linha. E se tem algo que aprendi entre o assoalho do meu velho fusquinha 1978 e o motor 1.4 do meu “sofisticado” Renault Clio, foi isso.

Sim, meu caro leitor, por anos fui o feliz condutor de um legítimo Fusca, aquele carro que não te abandona — mesmo que você precise empurrá-lo de vez em quando. Mas resolvi ousar: com uma carta de crédito de consórcio na mão e o peito estufado de otimismo, troquei o valente nacional por um importado. Um Clio! Um francês! Ou quase. Na prática, o Clio era um carro plurinacional: montado na Argentina, com peças de pelo menos uns sete países diferentes. Era uma verdadeira ONU com rodas! O problema é que, toda vez que quebrava, eu praticamente tinha que esperar a próxima Assembleia Geral para consertá-lo — isso quando não vinham me falar em “sanções” na importação das peças ou no orçamento da oficina.

Aí me lembrei de outra experiência: em 2014, como torcedor fiel do Botafogo de Ribeirão Preto, comemorei quando a Adidas passou a fornecer o material esportivo do time. Alemanha, né? Qualidade garantida! Até que resolvi ler as etiquetas — mania besta, mas reveladora. Camisas feitas na China, calções no Vietnã, meiões no Camboja.

E o que dizer da área da saúde? Trabalhando nela, descobri que a Índia e a China são verdadeiras potências na produção de Ingredientes Farmacêuticos Ativos. Ou seja: você pode não gostar deles, mas se toma remédio genérico, é bem possível que a fórmula tenha cruzado meio planeta antes de chegar à farmácia do seu bairro.

Esses exemplos — o carro, o uniforme, o comprimido — mostram uma verdade simples, mas poderosa: estamos todos interligados. O mundo virou uma grande feira internacional onde se vende, compra, troca e, às vezes, toma calote. Muito antes de Vasco da Gama encontrar o caminho marítimo para as Índias (e de brinde, o Cabral chegar ao Brasil), o comércio sempre foi um instrumento de dominação, mas também de aproximação entre os povos.

Claro, nem tudo é troca de gentilezas. A história está cheia de invasões, saques e imposições. Mas também está marcada por acordos, tratados e princípios que tentam impedir que os mais fortes passem por cima dos mais fracos como um trator.

Um desses mecanismos é a Organização Mundial do Comércio, que, com suas regras (nem sempre respeitadas), tenta manter o jogo mais ou menos justo. Outra iniciativa que mexeu com o tabuleiro geopolítico foi o BRICS, agora BRICS+, que já reúne 11 países com 40% da economia global. Isso, obviamente, incomoda quem estava acostumado a ditar as regras sozinho e sem plateia.

Em tempos tensos como o que vivemos, é preciso respirar fundo antes de disparar opiniões guiadas apenas por paixões políticas. A Constituição Brasileira, que muitos adoram citar, mas poucos leem de verdade, é clara no artigo 4º: o Brasil rege-se nas suas relações internacionais por princípios como autodeterminação dos povos, prevalência dos direitos humanos, cooperação entre os povos e repúdio ao terrorismo e ao racismo.

Sim, o Brasil tem tradição diplomática. E sim, podemos — e devemos — resolver crises com firmeza, mas também com sabedoria. É vergonhoso ver parlamentares e líderes de setores econômicos baterem palmas para sanções ou conspirações internacionais que colocam em risco a economia nacional, tudo por cálculo eleitoral ou interesses pessoais.

Não adianta cantar o hino nacional com a mão no peito (e errar a letra), vestir a camisa da seleção e, na sequência, entregar o país num bandejão de negócios obscuros em troca de aplausos ou vantagens.

Se queremos um Brasil soberano, respeitado e desenvolvido, é hora de mobilização. Mobilização ética, consciente e corajosa. Hora de pensar menos em lucro e mais em legado. Menos em conchavos e mais em compromissos. A defesa da nossa soberania não é tarefa apenas dos diplomatas: é missão de cada cidadão com senso de justiça e amor à terra que pisa.

* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista

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