Lucca Vinha *
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Duda Hidalgo **
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A extinção do DAERP e sua transformação em Secretaria Municipal de Água e Esgotos (SAERP) representam um retrato fiel de uma reforma administrativa mal conduzida e juridicamente viciada. O processo legislativo que culminou no fim da autarquia foi marcado por irregularidades: a lei foi aprovada sem o quórum necessário e teve como base um artigo da Lei Orgânica do Município que já não existia há mais de 20 anos. Ainda assim, e independentemente disso, a nova legislação é inconstitucional, pois contraria frontalmente a Lei Orgânica — o que torna a extinção nula de pleno direito e compromete a legalidade de todo o procedimento e do próprio funcionamento da Secretaria.
Do ponto de vista prático, a mudança não trouxe os avanços prometidos. Ao contrário, gerou retrocessos evidentes. O DAERP, enquanto autarquia, detinha autonomia administrativa e financeira, podendo captar recursos, firmar convênios e planejar investimentos essenciais para garantir a expansão e a manutenção do sistema de água e esgoto. Com sua transformação em secretaria, perdeu-se essa capacidade. E os efeitos estão claros: tarifas mais altas, serviços fragilizados e um aumento alarmante da falta d’água, especialmente nas regiões periféricas da cidade, onde o racionamento virou rotina.
A crescente crise de abastecimento tem origem direta na falta de estrutura da SAERP para executar investimentos fundamentais. Um serviço essencial como o saneamento demanda orçamento robusto e gestão técnica independente. Como isso pode ser garantido por uma secretaria sem os instrumentos legais e financeiros adequados para lidar com a complexidade do sistema hídrico? E como seria a realidade atual se a administração anterior não tivesse esvaziado o caixa da empresa, drenando recursos de uma autarquia que tinha condições de se manter e ampliar sua atuação?
A extinção foi feita de forma apressada, sem debate público, sem transparência e sem estudos técnicos sobre os impactos para o município. Não à toa, o Judiciário já apontou a inconstitucionalidade de diversos dispositivos da reforma, confirmando que houve erros graves em sua elaboração. Um dos principais argumentos usados à época foi o suposto “déficit financeiro” do DAERP, sem considerar que a maior devedora da autarquia era — justamente — a própria Prefeitura. Fica o questionamento: sendo a extinção nula de direito, a dívida de mais de R$ 200 milhões ainda existe? Esses recursos representariam um reforço decisivo para a infraestrutura de saneamento da cidade.
Diante desse cenário, é não apenas possível, mas necessário, que a Prefeitura promova a refundação do DAERP como autarquia. Essa é, inclusive, uma promessa de campanha da atual gestão. O Executivo municipal não precisa esperar uma decisão judicial final para corrigir os erros do passado. Pode — e deve — liderar esse processo com responsabilidade, eficiência e participação social.
A política de saneamento precisa ser técnica, contínua e transparente. Ribeirão Preto não pode mais pagar o preço de decisões equivocadas.
Não podemos esquecer do DAERP.
* Advogado, formado pela USP, com duplo diploma pela Universidade de Camerino (Itália): mestrando em Políticas Públicas e Governo pela FGV
** Vereadora e advogada formada pela Universidade de São Paulo (USP)

