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A Colômbia e sua Literatura (40): Fernando González

Rosemary Conceição dos Santos*

De acordo com especialistas, Fernando González (1895-1964) é considerado o mais original dos filósofos colombianos e um dos escritores mais vitais, controversos e polêmicos de seu tempo. Tendo confrontado a mentira colombiana, seus contemporâneos não o perdoaram por sua franqueza, o que o tornou rejeitado e esquecido. No entanto, sua verdade, que golpeia e açoita em seus livros, continua tão viva que ganhou relevância ao longo dos anos. Era um espírito rebelde e combativo, mas ao mesmo tempo um profundo amante da vida e da realidade colombiana que atacava. Conseguiu forjar um pensamento filosófico baseado em nossas idiossincrasias, usando uma linguagem tão característica de nosso povo que foi rotulado de boca suja. Escandalizando e, ao mesmo tempo, abrindo caminhos para a autenticidade, Gonzalez foi condenado como ateu, mas era um místico. Escrevia em prosa limpa e inovadora, mas “para leitores distantes”. Proclamava-se mestre, mas, em suas próprias palavras, não buscava criar discípulos, mas solitários. Sua obra é sempre nova, fresca e perturbadora. E sua vida foi uma jornada da rebelião ao êxtase.

Desde a infância, seu espírito original e rebelde se manifestou vigorosamente, levando-o a “viver como um inimigo”. Ele mesmo nos conta sobre sua infância: “Eu era branco, pálido, cheio de vermes, silencioso, solitário. Muitas vezes ficava parado nos cantos, suspenso, imóvel. Eu me irritava facilmente e rolava no ralo sempre que brigava com minha família”. A versão do protagonista sobre esse acontecimento também é sugestiva e interessante: em “Los Negroides” ele conta um pouco de seu diálogo com o Padre Quirós, professor de filosofia: “Sou o pregador da personalidade; portanto, necessário à América do Sul. Deus me salvou, pois a primeira coisa que fiz foi negá-Lo, entre os Reverendos Padres. Deus é tão bom que me salvou, inspirando-me a negá-Lo. Então neguei tudo ao Padre Quirós. O primeiro princípio! Neguei o primeiro princípio filosófico, e o Padre me disse: “Negue Deus; mas você deve aceitar o primeiro princípio , ou nós o expulsaremos da escola…” Neguei Deus e o primeiro princípio, e desde aquele dia tenho sentido Deus e tenho me libertado do que os homens experimentaram. Desde então, encontrei a mim mesmo, o método emotivo, a teoria da personalidade: cada um vive sua própria experiência e consuma seus instintos. O verdadeiro trabalho está em viver nossa vida, em nos manifestarmos, em nos autoexpressarmos”.

Graças a essa expulsão — sua marginalização do mundo acadêmico duraria três anos — surgiu sua primeira obra: “Pensamentos de um velho” (1916), já prenunciando o muito que ele teria a dizer nos anos seguintes. Em 1917, formou-se bacharel em filosofia e literatura pela Universidade de Antioquia e, em 1919, a mesma instituição lhe concedeu o título de advogado. Lá, recebeu diversos reconhecimentos graças ao seu talento excepcional. Sua tese, “O Direito de Não Obedecer”, foi censurada pelas autoridades universitárias, que o obrigaram a fazer algumas alterações e, consequentemente, a intitularam simplesmente “Uma Tese “. Exerceu a advocacia esporadicamente, complementando seu intenso trabalho como escritor.

Sua obra é controversa, original, prolífica e multifacetada. Nos últimos anos de sua vida, Otraparte, nome de uma de suas mais relevantes obras tornou-se um lugar quase mítico. O nome popularizou-se e era frequentemente mencionado com admiração e respeito. Alguns começaram a chamar o maestro de “O Mago de Otraparte” e outros de “O Feiticeiro de Otraparte “. Ele era frequentemente visitado por jovens e intelectuais ávidos por conhecê-lo. Em seus livros, é preciso encontrar uma mensagem de rebelião salvadora, de autenticidade, de vitalidade, de entusiasmo pela vida, de busca incansável pela verdade, de sinceridade perante si mesmo, perante os outros, perante Deus. Porque Fernando González, que sempre foi estereotipado como irreligioso e ateu, como um pensador assistemático e contraditório, como um iconoclasta inveterado, foi um místico que se aventurou na intimidade com fervor, que moldou uma filosofia com um fio condutor do início ao fim, um forjador de ideais para uma nova juventude, além de seu tempo, além de si mesmo. Esse foi o seu trabalho como “mestre-escola” em uma Colômbia que não o compreendeu, mas agora começa a redescobri-lo.

Pouco antes de sua morte, ele escreveu: “O fim do homem é adormecer no Silêncio. Não se dirá ‘ele morreu’, mas ‘o Silêncio o acolheu’, e não haverá luto, mas a celebração silenciosa, que é o Silêncio.”

Professora Universitária*

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