Tribuna Ribeirão
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Sim! A ameaça é real… 

Conceição Lima * 
 
Vivemos um tempo em que a Inteligência Artificial ganhou asas e (queiramos ou não) já alçou voo próprio.  Ela não é mais apenas uma ferramenta e, sim, um espelho a refletir o melhor e o pior de nós mesmos.E, de fato, vai remodelar não somente o comportamento, mas também os relacionamentos humanos.  
 
A IA nos ameaça? Claro que sim!Mas não propriamente como se tem proclamado aos quatro ventos: não se trata aqui do desemprego tecnológico ou da rebelião das máquinas. É algo bem mais sutil e insidioso, de cuja existência a maioria nem faz ideia.Um ensaio experimental recente levou os cientistas a preverem, de forma quase que unânime, alterações revolucionárias já na próxima década. 
 
Para começar, a Inteligência Artificial ameaça, sem dúvida, as funções cognitivas essenciais da raça humana. O comodismo das respostas automatizadas, dos resumos e das decisões automáticas gerados por IA vai estimular, com certeza, a nossa preguiça mental e reduzir o pensamento crítico. Eis que o julgamento humano poderá ser posto de lado, em favor de resultados baseados apenas em dadosartificialmente produzidos.  
 
A partir daí, espera-se uma redução na nossa capacidade de agir de forma independente e de tomar decisões autônomas. E,pior, os indivíduos talvez nem percebam a mudança. Então, outra questão essencial se insinua: a integração da IA à vida cotidiana também desafiará as noções tradicionais de identidade e propósito.Eis que a onipresença da IA na vida como um todo pode nos fazer duvidar da nossa “utilidade social”, gerando sérias crises de propósito. Aliás, nem precisa ser especialista para saber que, quando a vida se torna fácil e confortável demais, é comum perder-se a própria motivação. 
 
Por consequência, a vida humana poderá entrar num “processo dominó”, onde a queda de uma “peça” vai provocar sucessivas “baixas” até atingir o sistema inteiro.Com o tempo, a mercantilização da conexão humana pode induzir os indivíduos a medirem o seu valor com base em critérios digitais, em vez de em qualidades humanas intrínsecas.  
 
Uma das perdas mais preocupantes é a do conhecimento humano confiável e amplamente compartilhado, o que leva à destruição dos valores e das normas culturais. Essa perda não é apenas uma questão técnica. Quando a verdade se torna relativa e as instituições perdem credibilidade, o contrato social que mantém comunidades e nações unidas começa a se desfazer. Não há exemplos, na história humana, de sociedades que tenham sobrevivido por muito tempo sem uma verdadeira identidade preservada.Destruídos o entendimento coletivo e a empatia, o que se espera é o enfraquecimento do desenvolvimento social e emocional dos humanos em si mesmos. 
 
Duvidam? Convém considerar que as interações humanas correm mesmo o risco de serem substituídas por relacionamentos mediados por IA. É que os humanos são complicados de se relacionar com eles! E, à medida que os “companheiros sintéticos” se tornam mais personalizáveis e emocionalmente disponíveis, eles podem parecer preferíveis à natureza complexa e, muitas vezes, confusa das pessoas.Os bebês “reborn” que o digam! 
 
Inclusive, até parceiros românticos gerados por IA (treinados para serem “ideais)poderão se tornar preferíveis às parelhas humanas, consideradas “desnecessariamente difíceis”. A propósito, os mais jovens são os maiores “candidatos” a esse isolamento artificial.Não é em vão que as pessoas já começam a terceirizar suas interações a agentes de IA, que ficam sendo responsáveis por determinar a compatibilidade e decidir se vale a pena ou não se encontrar pessoalmente com um par humano. 
 
Sombrias perspectivas! Talvez… Quem sabe?Porém, pode acontecer que a IA, se desenvolvida e regulamentada de forma ética, possa servir como uma ferramenta para ampliar as capacidades humanas e não simplesmente reduzi-las. Alguns, como eu, ainda são otimistas! Quem sabe, um novo “Iluminismo” na história da raça possa permitir que as pessoas redirecionem essa energia para seus outros importantíssimos aspectos espirituais e emocionais. 
 
Mas é preciso haver aqui algo maior: o desafio moral! É imprescindível que a presença maciça da IA em nossas vidas nos force também a repensar a cooperação, a empatia, a responsabilidade coletiva. Talvez que, no fim, a Inteligência Artificial venha a ser menos uma “máquina que pensa” e mais um “convite que pulsa”. Um convite para estar, para sentir com o outro, para lembrar que nenhum brilho é verdadeiro se não iluminar a própria humanidade em si mesma!Nenhum cérebro, quer humano, quer artificial,deveria reinar sozinho. O humano que compartilha cresce, o humano que escuta brilha. E, em vez de nos substituir, a IA pode até nos devolver à essência, àquilo que é mais humano que a própria inteligência: a generosidade. 
 
* Doutora em Letras, com pós-doutorado em Linguística, escritora, conferencista e palestrante, membro eleito da Academia Ribeirãopretana de Letras e da Academia membro fundador da Academia Feminina Sul-Mineira de Letras 

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