André Luiz da Silva *
[email protected]
O vídeo do influenciador Felca denunciando a adultização infantil e suas consequências chocou o país mais do que o polêmico “Tarifaço” de Trump. Agora, o Congresso Nacional, o governo federal e assembleias legislativas correm para criar leis — mas será que apenas isso resolve?
Lembro-me de um churrasco na empresa onde meu pai trabalhava, durante minha adolescência. Um homem pegou a chupeta do filho, mergulhou-a num copo de cerveja e deu à criança, que mal tinha três anos. Os adultos em volta riram, e o pai orgulhosamente afirmou que fazia isso com frequência. Talvez eu tenha sido o único que não achou graça.
Em muitas sociedades as crianças eram tratadas como adultas. Talvez as primeiras referências de cuidado especial e valorização das mesmas seja, através de Jesus, no novo testamento.Foi a partir do século XIX, que ampliaram os espaços, as roupas e a literatura infantil, distinguindo-as dos adultos.
Mas, na prática, muitas meninas que brincavam de boneca estavam sendo preparadas para a maternidade e os afazeres domésticos. Enquanto isso, outras eram jogadas precocemente na prostituição e no mercado de trabalho, muitas vezes em condições desumanas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi um avanço, mas em uma sociedade desigual, machista e racista, sua implementação enfrentou — e ainda enfrenta — resistência.
Aquela ideia de que “no meu tempo” era normal trabalhar, apanhar, sofrer, aos poucos está deixando espaço para a conscientização de que criança deve ser criança.
Vamos buscar duas estatísticas estarrecedoras, para ilustrar como, ainda, tratamos as crianças e adolescentes neste país. Em 2023, segundo dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), ferramenta do Sistema Único de Saúde (SUS), por hora, foram 44 bebês nascidos de mães adolescentes, sendo que dessas 44, duas tinham idade entre 10 e 14 anos. Segundo o Instituto Liberta, a cada hora três crianças são abusadas no Brasil. Cerca de 51% tem entre 1 a 5 anos de idade. Todos os anos, 500 mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente. A profusão de vídeos e fotos nas redes sociais ajuda a alimentar tarados, maníacos e abusadores que exploram física e financeiramente as crianças.
Alguns pais perderam o controle sobre os filhos, entregando-os às telas como babás eletrônicas. Outros veem nas crianças uma fonte de renda: seja na exploração sexual, seja na monetização de suas imagens nas redes, transformando-as em “influenciadores mirins” ou até “pastores mirins”.
Não é fácil resistir à tecnologia — eu mesmo passo horas diante de telas. Mas não podemos aceitar que a única forma de acalmar um bebê seja entregar-lhe um celular. Nem que alguns likes ou alguns reais justifiquem danos físicos e psicológicos irreparáveis.
Se o problema é antigo, por que só agora a sociedade se mobiliza? E, como sempre, há quem prefira atacar o mensageiro em vez de debater a mensagem.
As redes sociais amplificaram a adultização infantil, tornando urgente regulamentação, fiscalização e punição. Mas leis sozinhas não bastam. É preciso mudança de mentalidade.
Enquanto não entendermos que criança deve ser criança, continuaremos falhando com as próximas gerações. E o preço dessa negligência? Todos nós pagaremos.
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista

