O especialista em engenharia de transportes e técnico de pesquisa e planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Erivelton Guedes, afirmou esta semana que a disseminação dos serviços
de transporte de passageiros por motociclistas de aplicativos no país, é uma tragédia anunciada em um trânsito já marcado pela alta mortalidade em colisões e quedas de motocicletas. Guedes foi um dos
responsáveis pela inclusão das mortes no trânsito no Atlas da Violência 2025, lançado no mês de junho.
Produzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Atlas da Violência 2025 alertou que, enquanto os homicídios estão em queda, o número de vítimas de colisões, atropelamentos e outros sinistros de trânsito vem crescendo desde 2020.
Em 2019, houve 31.945 vítimas do trânsito no Brasil, número que aumentou nos anos seguintes até chegar a 34.881 em 2023. Neste mesmo período, o número de vítimas de sinistros com motos subiu de 11.182 para 13.477.
O fator de maior peso nessa alta, segundo o documento, é o número de ocorrências envolvendo motocicletas, que já respondiam por uma em cada três mortes no trânsito brasileiro em 2023, último ano com dados disponíveis no Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde.
Segundo o atlas, “o usuário da motocicleta é, atualmente, a maior vítima dos sinistros de trânsito no Brasil”. Guedes acredita que, no ano que vem, quando o atlas incluir os dados de 2024, a disseminação dos serviços de aplicativo contribuirá para um aumento ainda maior nas mortes.
O uso de motos nos aplicativos de transportes no Brasil, começou em 2020, quando foi lançado o Uber Moto. Até o começo deste ano ele já transportou cerca de 20 milhões de brasileiros ao menos uma vez, o que significa quase 10% da população. Essas viagens foram realizadas por 800 mil motociclistas. Já o aplicativo 99 Moto foi lançado em janeiro de 2022, com expansão gradual nos meses seguintes. Atualmente, o serviço está presente em mais de 3,3 mil cidades e já realizou 1 bilhão de viagens.
Outro ponto que preocupa o especialista em engenharia de trânsito é a inadequação da vestimenta de pilotos e passageiros que se vê nas ruas. “Idealmente, os dois, condutor e passageiro da moto, deveriam estar com roupas adequadas: botas, calças de couro, jaqueta de couro e capacete. Na prática, a gente não vê isso nos condutores e muito menos no passageiro, que, muitas vezes, está de sandália, roupa curta e com o celular na mão em vez de estar segurando no piloto”.
Apesar dos problemas, Guedes avalia que dificilmente esses serviços serão suspensos. Na visão dele, além da pressão econômica das próprias empresas que os oferecem, há a demanda pelo trabalho e renda gerados por essa atividade.
“A gente até acha que é uma luta perdida, e que a moto por aplicativo vai vencer, porque existe uma pressão econômica, uma pressão de vários lados, incluindo o do próprio condutor. Ou ele se acha um empreendedor ou ele precisa almoçar e não tem alternativa. Então, ele escolhe arriscar a vida e almoçar. A gente também tem que entender o lado dele, e o poder público precisa oferecer alternativas”, afirma.
De acordo com outro levantamento também realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o atendimento às vítimas de acidentes de trânsito no Brasil custou R$ 449 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS), em 2024. Uma despesa que vem crescendo ano a ano – desde 1998, estima-se uma alta de quase 50% -, com São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará e Paraná liderando a lista dos estados que mais gastam.

