Tribuna Ribeirão
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A Academia

Antonio Carlos Augusto Gama *
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O Presidente assentou-se ao centro da mesa, ladeado do Secretário, e acionou a campainha até que se fizesse silêncio e as atenções se voltassem para ele.

— Preclaros acadêmicos, declaro aberta a 665ª sessão e passo a palavra ao eminente Secretário para a leitura da ata da sessão anterior.

O Secretário levantou-se, ajustou os óculos e solenemente pronunciou:

— Ata da 664ª Sessão da Academia dos Escritores Desocupados, realizada na sede própria, sita no Largo da Glória, s/nº, no dia 29 de fevereiro de 2050. Presentes todos os senhores acadêmicos, com exceção do ilustrado confrade Afolgar Passos Dias, que se encontra de viagem, em missão oficial, representando nossa entidade no Congresso dos Escritores Minimalistas, devendo realizar ainda uma visita protocolar à Casa dos Escritores Absentistas. Foi lida e aprovada a ata da reunião anterior. Eu, Escrivaldo Atanásio Caminha, Secretário eleito e empossado, no exercício das minhas atribuições acadêmicas, lavrei a presente ata, assino e dou fé.

O Presidente retomou a palavra:

— Aqueles que quiserem aprovar a ata que o Senhor Secretário acabou de ler permaneçam como se encontram… Aprovada por unanimidade! Passemos à pauta do dia.

Como de hábito, uma vez que eram escritores desocupados, nada havia a ser tratado na pauta do dia, razão pela qual, dados por findos os trabalhos, foram para o salão de chá.

Após os comes e bebes, pouco a pouco os escritores foram deixando o velho prédio da Academia, meditabundos sobre os destinos da literatura e da língua vernacular, que praticamente já havia se tornado ágrafa e caminhava para ser língua morta, porquanto ninguém mais se interessava em escrever ou ler, e se falava cada vez menos, apenas por interjeições, grunhidos, gestos, símbolos de carinhas sorridentes ou pesarosas, dedão para cima ou para baixo, para significar positivo ou negativo, como faziam os Césares com a vida dos gladiadores.

Máquinas, computadores, celulares conversavam entre si, numa linguagem própria e cifrada, transmitindo as mensagens pensadas pelos seus usuários. E eles, escritores, se tornaram desocupados por não ter o quê nem para quem escrever.

Quando todos enfim se retiraram, o zelador limpou e arrumou cuidadosamente o local, deixando tudo preparado para a 666ª Sessão da Academia dos Escritores Desocupados.

Em seguida, trancou a pesada e obsoleta porta de madeira esculpida, apagou as luzes e se recolheu aos seus aposentos para assistir à programação da TV na super tela circundante e tridimensional que, conforme a escolha do telespectador, projetava imagens, sons, sabores e aromas, capazes de transmitir quaisquer sensações, sentimentos ou desejos, e satisfazê-los todos.

* Promotor de Justiça, aposentado, advogado, professor de Direito e escritor 

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