Raquel Montero *
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O Brasil celebrou um avanço civilizatório. Foi sancionada a lei que proíbe o uso de animais vivos em testes laboratoriais para produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes. Agora, novos produtos obrigatoriamente não poderão mais testar em animais. A nova legislação também endurece punições e amplia a fiscalização.
Os testes provocam nos animais dor extrema, deformidades e morte. A nova lei atende reivindicação histórica da sociedade e de cientistas. Apesar da insistente reivindicação e de seus fundamentos científicos, e, sobretudo, da natureza compassiva da reivindicação, ela sempre encontrou uma muralha no caminho, sendo que o maior obstáculo foi o deboche de quem não enxerga os animais como seres vivos merecedores de respeito.
Como bem observou o filósofo e economista inglês John Stuart Mill (pai das/os liberais), todo movimento social pode ser caracterizado por possuir basicamente três estágios: o ridículo, o debate e, por fim, a aceitação ou a rejeição. O direito dos animais historicamente está incluído nessa caracterização, assim como o movimento negro, o movimento de mulheres, de indígenas, e tantos outros movimentos sociais legítimos, justos e necessários. E agora, 2025, chegamos finalmente no estágio da aceitação.
Na cerimônia de sanção da lei, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva, destacou toda a longa construção que foi feita nos diálogos com parlamentares para que a lei fosse aprovada na Câmara e no Senado Federal, para, na sequência, receber a sanção do Presidente Lula. A construção incluiu o diálogo com entidades da sociedade civil de defesa dos animais, que contribuiu para a coleta de 1,68 milhão de assinaturas reunidas na plataforma Change.org, em apoio ao projeto de lei.
A escritora e filósofa brasileira Marilena Chauí, em seu Convite à Filosofia, citou o poeta José Paulo Paes, que assim ponderou; “A torneira seca (mas pior: a falta de sede). A luz apagada (mas pior: o gosto do escuro). A porta fechada (mas pior: a chave por dentro)”
A inércia da pessoa (a falta de sede, o gosto do escuro, a chave por dentro), diante das adversidades (a falta de água, a falta de luz, a falta de abertura), demonstra não enfrentamento do problema, tornando-a conivente com ele. E conforme explicou o psiquiatra suíço Carl Jung, e também criador da psicologia analítica, tudo que tentamos ignorar vira sombra no destino. Os fatores externos, que acontecem na sociedade, que permeiam nossa realidade (a secura, a escuridão e a prisão) deixam de ser externos à pessoa que se manteve inerte, que se acovardou, que apenas tentou ignorar, para se tornarem parte da pessoa. Tudo produz consequências, notadamente o sofrimento e a exploração, e sob o tempo, tudo receberá, de alguma forma, transformações. E nada, absolutamente nada, legitima que um ser vivo seja relegado à condição de coisa para ser usado e explorado.
A defesa dos animais, e de que eles possam viver protegidos, com respeito e sem sofrimento, deve estar sempre na pauta de nosso projeto de país, de nação, é um dever ético, faz parte de um mundo compassivo, sustentável e que busca evolução. Não existirá projeto de desenvolvimento, e nem efetivo desenvolvimento social, se todos os seres vivos não estiverem incluídos nele, com respeito e proteção. Deixa livre. Deixa ser livre. É direito!
* Advogada, pós-graduada em leis e direitos

