Rui Flávio Chúfalo Guião *
A historiadora inglesa Janina Ramirez ( casada com um espanhol ), professora em várias e conceituadas universidades do Reino Unido, pesquisadora da matéria e apresentadora de televisão, publicou um livro agora traduzido para o Brasil denominado Femina.
Nele, a autora refaz episódios marcantes da Idade Média, contemplando o papel das mulheres que se destacaram e que foram esquecidas pela história tradicional, focada nos homens da época. Aprendemos na escola que a Idade Média, entendida como a vida europeia entre os séculos V e XV, era chamada de Noite dos 10 Séculos, período sombrio, onde a civilização ocidental avançou pouco.
Oficialmente, ela começa com a queda do Império Romano, em 476 d.C e termina com a queda de Constantinopla para os árabes, em 1453 d.C. Pesquisas mais modernas, entretanto, constataram que a Idade Média foi um período de fértil crescimento, concentrado nos mosteiros, pois a população era majoritariamente analfabeta. Grandes nomes masculinos marcaram o período: Ricardo Coração de Leão, rei inglês; Carlos Magno, Imperador do Sacro Império Romano Germânico; São Luís IX, Rei da França; El Cid, cavaleiro espanhol; Marco Polo, grande aventureiro e descobridor; São Tomás de Aquino, doutor da Igreja; Gutenberg, inventor da imprensa, entre outros. Mas, também houve grandes mulheres e o escopo do livro é falar sobre elas. São tantas, que o espaço desta crônica é insuficiente para tratar de todas. A autora começa com escavações na Inglaterra, onde túmulos revelaram mulheres paramentadas como grandes homens, indicando sua importância na sociedade onde viveram.
Passa pela dominação viking dos reinos então existentes em solo inglês, onde as mulheres se ombreavam aos homens nas batalhas e na condução dos negócios da tribo. Avança pelos cátaros, grupo de cristãos que tinham uma visão particular dos ensinamentos da Igreja, com também mulheres dividindo a pregação religiosa e a direção da sociedade, grupo este que foi massacrado por cruzada criada pelo Papa. E fala também de algumas mulheres especiais. Podemos citar algumas.
A alemã Hildegarda de Bingen (1098-1179), desde a infância manifestava visões. Tornando-se abadessa de um convento, deixou obra escrita onde fala da devoção, do amor divino e do carnal. Tinha notáveis conhecimentos médicos e foi a pioneira em descrever as necessidades físicas das mulheres, dando conselhos sobre o relacionamento sexual com os homens. Estudou e publicou vários trabalhos sobre as doenças femininas e chegou a prescrever beberagens que poderiam ser utilizadas para o aborto. É dela a célebre frase:
“A mulher pode ter sido feitado homem, mas nenhum homem pode ser feito sem as mulheres “ Santa Edwiges, padroeira da Polônia (1373-1399) foi santificada pelo Papa João Paulo II em Cracóvia, seiscentos anos após sua morte. Foi a única mulher a ser coroada “rei “da Polônia, pois as leis do país admitiam somente varões como dirigentes. Nascida na alta sociedade europeia, era filha do rei da Hungria e da Polônia e descendente de várias famílias reais.
Casada com o rei da Lituânia, comandou várias batalhas do exército polonês. Teve educação primorosa, incomum para uma mulher da época, falava sete línguas e sabia ler e escrever. Fundou a Universidade de Cracóvia, estimulou o ensino e era religiosa com fervor, propagando a sua fé com a fundação e manutenção de vários mosteiros. Morreu jovem, de parto, aos 26 anos, mas sua vida até hoje ilumina a história da Polônia. Vale a pena ler o livro que nos mostra uma outra face da história medieval.
* Advogado e empresário, é presidente do Conselho da Santa Emília Automóveis e Motos e secretário-geral da Academia Ribeirãopretana de Letras

