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TikTokers mirins na mira da Justiça

Rodrigo Gasparini Franco *
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A recente decisão liminar da juíza do Trabalho Juliana Petenate Salles, da 7ª Vara do Trabalho de São Paulo, voltou a iluminar o debate jurídico e social em torno da exploração do trabalho infantil em ambientes digitais, particularmente no caso de crianças influencers no Instagram e no Facebook. A magistrada determinou que menores de idade não podem realizar postagens com caráter publicitário ou voltadas à monetização sem a devida autorização judicial, sob pena de multa significativa pelo descumprimento.

A medida foi recebida como um marco no enfrentamento de uma prática que, embora recente, vem crescendo exponencialmente e expõe os menores a riscos peculiares no ambiente virtual.

A decisão encontra respaldo direto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê mecanismos de proteção integral à infância e à adolescência, dentre eles a salvaguarda do direito ao não-trabalho precoce que interfira em seu desenvolvimento físico, psicológico e social.

Ao vedar que crianças participem de atividades econômicas sem controle judicial, a juíza sinaliza que mesmo no ambiente digital, frequentemente tratado como zona cinzenta em termos normativos, prevalecem os princípios protetivos que regem a legislação trabalhista e infantojuvenil. Ainda mais quando se leva em conta que, na maioria dos casos, a exposição diária em redes sociais ultrapassa o caráter lúdico ou espontâneo, transformando-se em verdadeira rotina laboral.

No plano internacional, a decisão dialoga com a Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, que estabelece a idade mínima para admissão em empregos e ressalta a necessidade de proteção contra atividades que prejudiquem a saúde, a segurança ou a moral das crianças.

Embora a realidade do influencer digital não fosse prevista à época da elaboração do documento, a interpretação teleológica conduz ao reconhecimento de que a monetização de conteúdos por menores configura prestação laboral, ainda que em modalidades contemporâneas. Dessa forma, o país, ao aplicar restrições a tais práticas, cumpre sua obrigação no cenário global de erradicar formas de trabalho infantil, mesmo aquelas sob roupagem aparentemente sofisticada.

O contexto jurídico nacional também lança luz sobre a convergência entre o tema e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Os dados de crianças e adolescentes são considerados sensíveis e demandam tratamento ainda mais cauteloso, com consentimento específico e proteção reforçada. Plataformas como Instagram e Facebook, ao possibilitarem a coleta massiva de informações pessoais de menores, frequentemente por meio de interações com conteúdos publicitários, podem incorrer em violações a esses direitos fundamentais.

A prática de transformar a rotina infantil em produto de mercado intensifica a exposição dos dados, sugerindo que a exploração comercial de perfis infantis viola tanto as disposições da LGPD quanto os princípios éticos de preservação da privacidade.

Além disso, o Marco Civil da Internet estabelece como pilares a proteção da privacidade, da intimidade e do desenvolvimento seguro dos usuários, especialmente dos mais vulneráveis. O uso de crianças como vetores de engajamento em redes sociais compromete a finalidade essencial de tais salvaguardas, transformando a plataforma em meio de exploração comercial sem que haja controle efetivo do Estado ou das próprias famílias. Assim, a interpretação conjugada do ECA, da LGPD e do Marco Civil impõe um robusto arcabouço protetivo que justifica a decisão judicial e legitima sua aplicação imediata, mesmo em caráter liminar.

Embora parte da sociedade veja no trabalho de crianças influencers uma extensão das práticas artísticas reconhecidas, como a participação em novelas ou publicidade tradicional, há diferenças substanciais. Enquanto as atividades culturais são rigidamente reguladas, com exigência de alvará judicial, horários limitados e fiscalização das condições de trabalho, a realidade digital se dá de forma difusa e incontrolável, muitas vezes sem conhecimento público sobre a intensidade das jornadas ou sobre a destinação dos rendimentos auferidos. Nesse contexto, a liminar da juíza Juliana Petenate Salles busca mitigar a falta de transparência e resguardar o interesse superior da criança, princípio constitucional que deve prevalecer sobre aspectos comerciais ou familiares.

A fixação de multa por descumprimento reforça o caráter coercitivo da medida e demonstra que a Justiça do Trabalho pretende atuar de forma preventiva, não apenas reparatória, diante da constatação cada vez maior de que a infância digitalizada não pode ser confundida com oportunidade de negócio. Cabe agora acompanhar como pais, responsáveis e as próprias plataformas tecnológicas reagirão ao entendimento judicial, que inaugura um precedente relevante no equilíbrio entre liberdade de expressão, mercado de influenciadores e os direitos fundamentais da criança e do adolescente.

* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

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