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Psicologia da vida cotidiana (6): O QI de Machado de Assis

O dia estava declinando. O mês era setembro…mesmo mês dos meus anos. Enquanto a primavera se principiava, o meu outono ia seguindo em frente. Caminhava para a sacada. Os livros ainda sendo meus amigos inseparáveis desde quando tinha poucos anos na algibeira. Sentara-me na cadeira de balanço (aquela do Veríssimo, o pai) e colocara-me a esperar, contando minutos e segundos, a emergência da lua no horizonte. Tal como Sir Francis Galton nos ensinou: “Sempre que puder, conte”. Então as luzes de uma bela e bem cuidada igreja se acenderam na rua. Não demorou muito para todas as luzes ficarem acessas e a Cruz da igreja, feita de luzes, ficar saliente.

Na noite anterior, uma colega do grupo de leitura sobre Neurociência e Literatura, Dra. Simone Leite, me questionara, ao longo de uma discussão sobre o conto “A Igreja do Diabo”, de Machado de Assis, em que grau de inteligência eu posicionaria os feitos do Bruxo do Cosme Velho. Lembrei-me que, alhures, em algum momento, quando fui desafiado numa aula de inteligência humana, que havia estimado o QI de Santos Dumont em cerca de 162. Logo, poderia usar o mesmo procedimento e estimar o QI do Machado de Assis. Baseando-me nos estudos historiométricos de Catherine Cox, publicado em 1926, que estimou o QI de 301 figuras proeminentes que viveram antes da testagem do QI, usei critérios similares para estimar o QI do nosso gênio Santos Dumont e agora, por força comparativa e visando a padronização, busquei pelos mesmos indicadores para estimar o QI de Machado de Assis. Em seus estudos, Cox estimou a inteligência dessas personalidades a partir de dados biográficos, incluindo trabalhos escolares, narrativas, produções artístico-culturais e plásticas. Dentre as personalidades cujos QIs foram estimados, estavam Galileu (185), Da Vinci (180), Faraday (170), Goethe (210), Newton (190), Michelangelo (180), Cervantes (QI 155), Thomas Jefferson (160), Lincoln (150), Napoleão (145) e Mozart (165), entre outros. Em adição aos indicadores brevemente mencionados, inseri nos meus cômputos os indicadores dos fatores de impacto das obras de Machado de Assis, muitas delas traduzidas e refletidas em series televisivas e levadas às produções cinematográficas. Ademais, quis saber se as obras de Machado teriam sido estudadas e analisadas em diferentes academias para além do Atlântico, alcançado as belas terras chinesas, mulçumanas e arábicas. E constatei que ele tinha alçado voos tanto quanto fizera Santos Dumont, e para mais.

Gênios fazem a diferença. Mas, devo destacar uma grande diferença entre Santos Dumont e Machado de Assis. O primeiro provinha, talvez, do 1% ou do 0,5% segmento social mais rico da nação naquela época. Teve e aproveitou as melhores oportunidades educacionais. Conheceu terras distante, para além das terras brasileiras. Conviveu com muitos intelectuais de sua época e, especialmente, em Paris, foi conhecido como uma grande inteligência. Ao contrário, o segundo (1839-1908) era um mestiço humilde – filho dum mulato carioca, pintor de paredes, e duma imigrante açoriana -, tendo frequentado apenas a escola primária, obrigado a trabalhar desde a infância. Autodidata que se formou na biblioteca do Gabinete Português de Leitura, sendo (tal como Michael Faraday, um encadernador de sua biblioteca) aprendiz de tipógrafo e, depois revisor, tudo este homem aprendeu por si. E tanto que tenho dito ter sido ele o maior dos psicólogos brasileiros. Seus escritos, quaisquer que sejam, traduzem e refletem a perenidade da sua quase ferina análise da alma humana. Eu diria, sem medo de estar exagerando, que Machado foi, e tem sido, o nosso escritor, o nosso psicólogo, o nosso psicanalista, o nosso analista, com os maiores fatores de impacto. Seu ambiente foi geneticamente construído.

O Bruxo do Cosme Velho progressivamente escolheu seu ambiente e suas características e traços de personalidade. E sua cognição e afetos afetaram, certamente sua exposição a diferentes ambientes físicos e sociais de sua época, em particular as experiências que ele toda vida procurou e construiu. Patrono da cadeira número 23 da Academia Brasileira de Letras (ABL), Machado ocupou-a por mais de uma década, sendo o primeiro presidente da instituição. Nesta posição, escolheu o romance “O Guarani”, de seu amigo José de Alencar, criando seu ambiente, o qual foi dirigido por suas habilidades e necessidades genéticas. Seu ambiente e trajetória sendo estruturados por ele próprio. Usando os indicadores propostos por Catherine Cox e colocando-os em valores escalares, ponderando-os com os fatores de impacto atuais, estimei o QI de Machado de Assis em 168. O mais alto que conheço em terras brasileiras. Por isso ele será sempre perene como sua obra têm sido. Apesar disso, alguns dos nossos literatos tentam banir, ou se fazem de esquecidos, tirando-o das leituras escolásticas obrigatórias. Ele apenas responderia, se pudesse ouvi-los: É a eterna contradição humana (A Igreja do Diabo).

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