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Velhice: o destino coletivo que ainda não sabemos honrar

Foto: Arquivo

Certa vez, deparei-me com uma história sobre uma região africana onde as crianças, ao avistarem um homem idoso de longas barbas e cabelos brancos, fugiam apavoradas. A razão desse temor era simples e, ao mesmo tempo, profundamente triste: naquele lugar, as pessoas partiam muito cedo, e ninguém ali havia conhecido um ancião. Não sei se a narrativa é verdadeira ou apenas mais uma lenda, mas ela me fez refletir. 
 
O que tenho aprendido, no entanto, é que na tradição africana os idosos ocupam um lugar sagrado: são guardiões da sabedoria, das tradições e das memórias coletivas, atuando como verdadeiras autoridades morais e espirituais. Algo semelhante ocorre entre os povos indígenas, que, em sua imensa diversidade, também reconhecem nos mais velhos os detentores do saber cultural e dos segredos da comunidade. 
 
Questionado por alguns e amado por tantos, Paulo Freire deixou uma mensagem talvez incontestável: a juventude ou a velhice dependem menos dos anos vividos e mais de como pensamos e existimos no mundo — da curiosidade que mantemos, da busca incessante pelo conhecimento, da esperança que nos move e da coragem para recomeçar, mantendo vivos, sempre, os nossos sonhos. 
 
Nas redes sociais, circulam diversas publicações com um registro jornalístico do século passado que se refere a uma “velhinha de 42 anos”. A notícia faz sentido quando lembramos que, em 1900, a expectativa de vida no Brasil era de apenas 33,7 anos — um número que deu um salto extraordinário, alcançando 76,8 anos atualmente. 
 
Essa transformação demográfica trouxe consequências profundas para a previdência social em todo o mundo, que constantemente revisa, com base em cálculos atuariais, as idades mínimas para aposentadoria. Com o aumento da população idosa, tornou-se urgente assegurar seus direitos. Foi assim que, em 2003, o Brasil aprovou o Estatuto do Idoso, substituído em 2022 pelo Estatuto da Pessoa Idosa. Sim, foi preciso mudar até o nome para combater o preconceito e a desumanização associados ao termo “idoso”. 
 
Aliás, na mesma linha, o que antes era chamado de “Asilo” ou “Lar dos Velhos” hoje recebe o nome de Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI). São espaços que oferecem moradia, alimentação, assistência à saúde e apoio psicológico. Muitas desenvolvem um trabalho admirável, mas é doloroso constatar que várias ainda operam em condições precárias, submetendo seus residentes a situações que exigem a imediata atenção — e, quando necessário, a intervenção — dos órgãos fiscalizadores. 
 
Vivemos, sem dúvida, grandes avanços na garantia de direitos e na qualidade de vida dessa população. No entanto, ainda há muito por fazer. Nossa sociedade, tão acostumada a cultuar a juventude e a virilidade, precisa preparar-se para um destino inevitável: ou morreremos ou envelheceremos, com todas as necessidades e limitações que essa fase pode trazer. Recentemente, estive na festa de aniversário do Dr. Camilo Xavier, e alguém fez uma pergunta que me tocou: “Quantos amigos de 98 anos nós temos?”. Fiquei intrigado. Ao consultar os dados do IBGE, descobri que hoje há mais de 37 mil centenários vivendo no Brasil. 
 
Acompanho de perto famílias que cuidam de idosos e enfrentam sobrecargas físicas e emocionais — notadamente as mulheres —, além dos custos elevados com saúde e assistência. Vejo os desafios diários de mobilidade, o manejo de doenças crônicas e mentais, e, sobretudo, testemunho a solidão e o isolamento que tantos experimentam. É comovente — e por vezes angustiante — observar a inversão de papéis: aqueles que um dia nos cuidaram, agora dependem de nossos cuidados. 
 
Em 1991, a Organização das Nações Unidas instituiu o Dia Internacional do Idoso justamente para sensibilizar a sociedade sobre o envelhecimento e a urgência em garantir os direitos dessa população. Neste começo de outubro, celebremos aqueles que mantêm sua autonomia financeira, física e nas atividades do cotidiano. Mas não esqueçamos de cuidar, com empenho e afeto, daqueles que precisam de apoio em todos os sentidos. E para os mais egoístas, deixo um lembrete: cuidar do idoso de hoje é um investimento no idoso de amanhã — que seremos nós. 

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