Tribuna Ribeirão
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A rede

Rui Flávio Chúfalo Guião *


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Como é gostoso e agradável balançar numa rede à sombra de uma árvore de folhagem generosa ou no aconchego de uma varanda, ao por do sol, quando seus raios começam a sumir e o lusco-fusco muda a aparência das coisas!

Intensamente integrada à cultura nacional, a rede é um aparelho indispensável ao conforto doméstico.

Mas, ainda continua sendo utilizada como cama nas embarcações do norte do país, estendidas nos varões dos seus conveses, bem como usada para abrigar doentes. Sua forma adaptável ao corpo impede as escaras que são comuns nos longos períodos de repouso.Durante muito tempo, foi usada para transportar mortos, que eram enterrados com ela.

O notável brasileiro Augusto Ruschi, a maior autoridade mundial em beija-flores, pediu para ser enterrado no seio da floresta capixaba. Foi conduzido numa rede por nativos e sepultado com ela no seio da mata.

Seu balanço nos lembra dos tempos em que nos encontrávamos no ventre materno e é tranquilizante e indutor do sono.

Hoje elas são objeto de arte, com suas cores vibrantes, seus desenhos sugestivos, enfeitando nossas casas. Sua fabricação move a economia de várias cidades, fornece emprego às comunidades e são mesmo produto da pauta de exportação brasileira.

Duas cidades disputam a primazia de sua produção: Jaguaraúna, no Ceará e São Bento, na Paraíba, a primeira com 60.000 habitantes e a segunda com metade disto, mantêm a fabricação artesanal e industrial de variados tipos e modelos de rede, concentrando a maior parte da produção brasileira.

O algodão é o fio mais usado no fabrico, dando um aspecto sensorial agradável, embora outros materiais possam ser usados. A sua produção é espalhada pelo país.

A primeira vez que se escreveu sobre a rede, foi num trecho da carta em que Pero Vaz de Caminha comunicou ao Rei de Portugal a chegada ao Brasil, o que demonstra seu uso por todos os indígenas:

“Eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam.” 

Desconhecida na Europa, para onde foi levada por Cristóvão Colombo, a rede é invenção dos povos pré-colombianos, com certeza os habitantes da região da floresta amazônica e moradores da América Central e Caribe, que usavam de todo material então disponível para fabricá-las.

Para os maias, que a importaram de nossos indígenas, a rede era um instrumento usado por escravos para transporte de pessoas importantes e só depois seu uso foi estendido a toda a população. Objetos decorativos de barro mostram as redes sendo usadas por membros daquela civilização.

Ela não era parte dos costumes dos Incas, importante etnia da América do Sul.

Hoje, é comum vermos nos cruzamentos das cidades redes estendidas nas árvores ou em suportes para serem vistas e vendidas aos passantes, espetáculo que dá cor à paisagem.

Objetos mais elaborados fazem parte do estoque de lojas de decoração, especialmente as que tem acabamento em renda nordestina.

É curioso constatar que um instrumento tão antigo como as redes possa ter se transformado numa utilidade doméstica encontrada em todo o mundo. E se transformado em obra de arte, artesanato sofisticado, espalhando conforto numa civilização que avançou tanto como a nossa.

* Advogado e empresário, é presidente do Conselho da Santa Emília Automóveis e Motos e secretário-geral da Academia Ribeirãopretana de Letras

 

 

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