Rodrigo Gasparini Franco *
O recente anúncio do prefeito de Sorocaba pegou muita gente de surpresa: durante um mês, os passageiros do transporte público da cidade poderão consumir gratuitamente latas de Coca-Cola dentro dos ônibus municipais. A medida, que à primeira vista parece tão inusitada quanto polêmica, rapidamente dividiu opiniões entre moradores, especialistas em saúde e analistas de comunicação.
De um lado, surgiram críticas diretas à ação por estimular o consumo de refrigerantes, sabidamente associados a riscos como obesidade, diabetes, hipertensão e outros problemas metabólicos. De outro, muitos enxergam na iniciativa uma jogada de marketing ousada e eficiente, uma vitrine gratuita para a Coca-Cola, que ganha projeção midiática internacional usando o espaço público como palco.
O debate gira em torno da fronteira entre política pública e marketing corporativo. É evidente que não se trata de uma medida com real preocupação em termos de saúde coletiva. A promoção de um produto que médicos recomendam reduzir ou evitar dificilmente pode ser entendida como um benefício social.
Ainda assim, do ponto de vista mercadológico, a ação mostra refinamento: a marca é inserida diretamente no cotidiano das pessoas, associada a uma experiência frequente e coletiva. Poucos lembrariam se a prefeitura oferecesse água, mas uma Coca-Cola gelada, gratuita e compartilhada no trajeto de ônibus, torna-se pauta nos jornais e na boca do povo. Vale lembrar que a marca carrega um feito raramente mencionado: “Coca-Cola” é a segunda palavra mais falada em todo o mundo, perdendo apenas para “hello”.
Essa repetição constante solidificou o refrigerante não só como produto, mas como ícone cultural. Esse tipo de campanha se enquadra no que se chama marketing de guerrilha, uma estratégia que busca despertar emoções positivas e instantâneas no público, criando um vínculo emocional que vai além da utilidade ou do sabor da bebida.
A Coca-Cola há décadas aposta nessa linha, sendo lembrada por comerciais que exaltam valores de coletividade, felicidade e celebração. E nesse sentido, Sorocaba vira palco de mais um capítulo dessa narrativa global.
Não é a primeira vez que gigantes industriais recorrem à associação de sentimentos e símbolos para sustentar o consumo e ampliar seu mercado. Um dos antecedentes históricos mais marcantes vem do trabalho de Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, considerado o pai das relações públicas modernas.
Ele definia propaganda como a manipulação consciente e deliberada das opiniões e dos hábitos da massa, transformando escolhas cotidianas em respostas quase automáticas a narrativas cuidadosamente fabricadas. Bernays se tornou célebre pela campanha “Torches of Freedom”, a favor da indústria tabagista americana, que buscava ampliar o mercado consumidor para incluir as mulheres.
A mensagem construída: fumar representava liberdade, sofisticação e ascensão social. A operação foi mais que uma campanha publicitária — foi um movimento cultural fabricado. A associação entre cigarro e emancipação feminina não apenas impulsionou as vendas, mas moldou a percepção social durante décadas.
Bernays reforçava ainda ideais estéticos, vinculando o cigarro à magreza e à elegância, sugerindo que trocar a comida pelo tabaco seria um caminho para alcançar tais padrões. Eram imagens cuidadosamente planejadas de mulheres modernas, independentes, sempre com um cigarro na mão, alimentando o desejo de inserção social e projetando soluções ilusórias para as suas limitações de época.
O paralelo com o presente é evidente. Se antes o alvo eram as mulheres que buscavam liberdade, hoje o público-alvo pode ser qualquer cidadão que, ao receber uma Coca-Cola gelada e gratuita em seu deslocamento diário, passa a relacionar a marca com generosidade, acolhimento e até mesmo com o poder público.
A sutileza dessa estratégia está em reconhecer que, como consumidores, não somos agentes perfeitamente racionais. Nossas decisões raramente seguem um cálculo lógico exato; pesam muito mais as emoções, as distrações e os atalhos mentais.
Tomamos decisões “boas o suficiente”, mais influenciadas por imagens, promessas e momentos de prazer do que pela análise fria dos riscos ou benefícios. Nesse cenário, a ação em Sorocaba não deve ser lida sob a ótica de política pública, mas como caso exemplar da capacidade de uma marca global em transformar o ordinário em espetáculo.
A Coca-Cola, assim como Bernays ensinou às gerações corporativas, não vende apenas um produto, mas uma ideia. E, mais uma vez, provou que é capaz de se infiltrar no cotidiano das pessoas de forma tão doce quanto estratégica.
* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

