Tribuna Ribeirão
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A armadilha dos COEs

Rodrigo Gasparini Franco *


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A popularização dos Certificados de Operações Estruturadas (COEs) no varejo brasileiro reacendeu o debate sobre sua adequação ao perfil do investidor, os riscos envolvidos e a responsabilidade das instituições financeiras na oferta. Embora combinem renda fixa e derivativos para buscar retornos assimétricos, os COEs têm alta complexidade, opacidade na precificação e forte assimetria informacional entre distribuidores e clientes.

Esse descompasso tem gerado litígios que confrontam prejuízos dos investidores com deveres fiduciários e regulatórios dos intermediários, envolvendo suitability, transparência, gestão de conflitos de interesse, governança de produto e responsabilidade civil por falhas de distribuição.

O risco é intrínseco aos COEs e assume formas diversas. Mesmo quando há promessa de proteção do capital no vencimento, sua efetividade depende da solvência do emissor e de cláusulas que relativizam a garantia, como gatilhos e barreiras que podem eliminar ganhos ou resultar em retorno nulo.

Nas estruturas sem proteção, somam-se o risco de crédito do emissor e o risco de mercado dos derivativos embutidos. A precificação de opções e swaps é sofisticada, dificultando ao cliente avaliar a relação risco-retorno e a plausibilidade dos cenários promovidos.

A assimetria se acentua em vendas por abordagem ativa, quando discursos destacam benefícios e usam jargão sem tradução adequada. É comum a adesão a produtos não compreendidos, com frustração de expectativas e perdas evitáveis por meio de diligência informacional e procedimental.

O arcabouço brasileiro, ancorado no Código de Defesa do Consumidor, nas normas da CVM e na boa-fé objetiva, impõe deveres reforçados aos distribuidores de produtos complexos. Não basta entregar termos e prospectos: a informação deve ser clara, verdadeira, compreensível e proporcional à sofisticação do cliente.

O dever de suitability implica conhecer experiência, objetivos, capacidade financeira e tolerância ao risco do investidor e avaliar a adequação da recomendação. Esse dever não se cumpre com questionários padronizados ou cliques. A jurisprudência rejeita a primazia da forma sobre o conteúdo: se a prática leva o cliente a crer que o risco é baixo ou equipara o COE a renda fixa com “bônus”, há vício informacional que pode responsabilizar o fornecedor.

Conflitos de interesse oriundos de comissões e incentivos comerciais são críticos. Modelos que remuneram distribuidores por volume e margem — muitas vezes acima de alternativas simples — criam desalinhamento entre o interesse do cliente e o incentivo do vendedor. O conflito não é ilícito por si, mas exige gestão, disclosure transparente e mitigação efetiva. A falta de clareza sobre comissões, custos embutidos e rebates, sobretudo com recomendações personalizadas, pode violar deveres de lealdade e boa-fé.

A “suitability de prateleira”, apoiada em disclaimers genéricos que tornam qualquer produto “adequado” a qualquer perfil, vem sendo rechaçada, exigindo-se análise concreta da compatibilidade entre riscos e investidor.

As falhas mais comuns na distribuição de COEs estão na inadequação ao perfil, na insuficiência informacional e na publicidade enganosa. Destacam-se a venda de COEs sem proteção a conservadores, janelas de liquidez incompatíveis, explicações deficientes sobre gatilhos, barreiras, payoffs e risco de crédito, além de peças que prometem “ganhos com segurança” ou sugerem equivalência com renda fixa.

Nessas hipóteses, a responsabilidade pode ser objetiva, bastando o nexo entre defeito de informação e dano.

Os tribunais têm decidido a favor do investidor quando comprovadas a complexidade do produto, a vulnerabilidade do consumidor e a deficiência informacional.

Aplica-se o CDC, com inversão do ônus da prova diante de alegações verossímeis, nulidade de cláusulas exoneratórias não claras, readequação às legítimas expectativas e, em casos graves, danos morais. A assinatura de termos de ciência não blinda automaticamente a instituição.

Provas como gravações, mensagens, roteiros e materiais publicitários são valorizadas; a ausência de registros completos de suitability e da racionalidade da recomendação costuma ser interpretada contra o fornecedor.

Na governança, exige-se que políticas internas superem formalidades, com segmentação de clientes, aprovação de produtos complexos, treinamento, supervisão, auditoria de conflitos e disclosure de comissões e custos em linguagem acessível, incluindo cenários adversos.

Em certos casos, reconhece-se responsabilidade solidária entre emissor e distribuidor quando ambos contribuem para a oferta e a comunicação.

Em síntese, prejuízos com COEs por falhas na distribuição encontram amparo no CDC e nas normas de mercado. Conflitos de interesse requerem transparência e mitigação; assinaturas e disclaimers não substituem o dever de informar de forma clara e compatível com o perfil.

A jurisprudência tem prestigiado o investidor de varejo, rechaçando práticas que priorizam metas comerciais em detrimento da adequação e da transparência. Para as instituições, impõe-se documentação robusta de suitability e comunicação honesta sobre riscos e custos; para o investidor, buscar informações completas, questionar comissões e cenários negativos e registrar interações.

Essa convergência tende a reduzir litígios e alinhar o mercado à intermediação responsável da poupança, com riscos compreendidos e assumidos conscientemente.

* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

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